sábado, 24 de dezembro de 2011

Papai noel vai à padaria



Papai noel vai à padaria


Acordou-se tarde, era véspera de natal, mas que diferença isso fazia na sua vida? Nenhuma. Talvez fizesse há alguns anos atrás quando era famoso, mas hoje em dia não, hoje em dia ele era um ‘zé ninguém’, um senhor aposentado qualquer e completo desconhecido. Todos no asilo sabiam o quanto era difícil pra ele se manter de pé e encarar o mundo nessa época do ano, por isso todos silenciavam.


Ele veio de longe, alguns dizem que foi da Polônia, outros dizem que foi do pólo norte. Alguns dizem ainda que ele não passa de uma invenção da coca-cola. Muitos são os mistérios que rondam a sua origem e as únicas certezas que prevaleceram dizem respeito ao seu bom-caráter e à sua honestidade. Essas marcas nem o tempo nem a falência, nem mesmo a tristeza dos seus olhos puderam apagar.


Hoje em dia ele era ‘nada’, ele se sentia um nada, um lixo, uma escória na sociedade. Os anos já foram mais áureos para aquele bom velhinho. Ele que sempre teve a fama de bondoso, recebia cartas e mais cartas no fim de ano, pedidos e mais pedidos de presentes enquanto hoje se encontrava plenamente desconectado do mundo, todos usavam facebook e email, enquanto ele parou no tempo e ainda esperava receber cartas escritas à mão. Tornara-se um pobre analfabeto digital, e mais do que isso tornara-se um excluído, um abandonado e completo marginalizado no mundo dito moderno. E aonde foi parar todo aquele bem-querer a ele destinado?


Num dia não muito distante ele era lembrado e aguardado por adultos e crianças, trabalhava o ano inteiro a favor delas, que penduravam meias na soleira da janela, fingiam dormir somente pra escutar suas pisadas pelo corredor ao deixar os presentes sob a árvore. Ele chora ao lembrar desse tempo. Onde está todo aquele carinho de que ele tanto precisa?


Papai noel agora não passa de um ilustre desconhecido que vive num asilo qualquer o qual teve a compaixão de hospedá-lo. As crianças hoje não precisam ser boas o ano inteiro para receberem um bom presente, seus pais podem dar-lhes ainda que sejam – e frequentemente são – mal-educadas e mal-comportadas. Eles precisam compensar sua ausência de alguma forma.


Além disso, o mundo perdeu seu encanto e fantasia, crianças não acreditam mais em papai noel, em coelho da páscoa ou fada do dente. Se você contar que na sua infância esperava ver qualquer um deles a criança ri na sua cara sem a menor cerimônia. A sociedade atual, racional e cientificista, não prevê a existência de criaturas encantadoras, não há espaço pra eles hoje em dia.


Desse modo a vida foi basante dura e aplicou um golpe fatal no bom velhinho, o capitalismo, selvagem e canibal, fez com que ele perdesse sua singela fábrica de brinquedos em algum canto isolado e frio do mundo. Ela fora penhorada pela justiça para arcar com as despesas empregatícias dos duendes, além de pagar outras dívidas com os fornecedores. E as renas foram resgatadas pelo greenpeace, visto que hoje em dia não se pode usar o tração animal, vivemos no mundo das máquinas, ora essa. A fábrica agora pertence a uma multinacional e tudo indica que a China tenha substituído perfeitamente o mercado consumidor de brinquedos do papai noel.


A historia é triste, mas o que pode fazer um velhinho indolente diante de um mundo tão perverso e cruel? Como ele pode sozinho reverter tanta incredulidade no coração das pessoas, até mesmo das pessoas mais puras que são as crianças?


Hoje é véspera de natal, e o papai noel não visita mais as casas das pessoas, não com o verdadeiro espírito de natal, aquele bondoso, caridoso, que remete ao nascimento de Jesus Cristo, à solidariedade, à união. Talvez ele esteja presente como uma figura meramente ilustrativa pousada na estante da sala ou sobre a mesa, em forma de um boneco ou emblema vazio de qualquer conteúdo. O natal tornou-se uma data meramente consumista e extremamente hipócrita, na qual as famílias se reúnem ao redor de uma mesa farta e não sabem nem o que estão celebrando.


Diante de tanto esquecimento, de tanta indiferença com o verdadeiro sentido do natal, papai noel veste seu casaco vermelho e vai à padaria comprar pão, completamente irreconhecível. Hoje ele não passa de um velho barbudo e rabugento que perambula pelas ruas sem ninguém abordá-lo. E só consegue sair de casa graças ao 'santo' prozac, o que seria dele sem o seu anti-depressivo... Com certeza estaria preso a uma cama admirando e contemplando o incrível teto do seu quarto no asilo.


Onde está o papai noel? Onde está o verdadeiro sentido do natal? O que estamos comemorando afinal na data de hoje?


[Mente Hiperativa]

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