quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Perca tempo!


Perca tempo! 

Desde muito cedo aprendi que na vida não podemos perder tempo, me ensinaram que o mais importante é estudar e trabalhar pra ter uma vida boa e que o resto é pura bobagem. Cresci vendo pessoas se esforçarem diariamente para alcançarem a estabilidade financeira num futuro próximo. Acreditei nessa história e pulei de cabeça nos estudos, levei o conselho tão a sério que demorei a me questionar sobre o que fazia da vida além de construir minha carreira profissional. E me assustei com a conclusão a que cheguei.

Percebi que vivo imerso num ciclo de estudo e trabalho tão intenso que muitas vezes nem me dou conta de que há vida além da carreira profissional. Quando criei coragem de sair e conhecer o mundo lá fora constatei que não sou o único a perseguir obsessivamente minhas metas; muitos estão cegos para a vida e ainda não se deram conta disso. Pessoas assim, que vivem para o estudo e trabalho, precisam reconhecer que há outras atividades igualmente enriquecedoras, que nos fazem crescer, garantem bem-estar, liberdade, prazer e outros valores necessários ao estabelecimento do nosso equilíbrio. É necessário nutrir a alma para que o indivíduo não padeça!

Depois dessa auto-análise profunda entendi que me ensinaram a lição errada, tratei então de ressignificar a “perda de tempo” em minha vida. Descobri que além de permitido é também recomendável perder tempo de vez em quando, é essencial à saúde mental e à manutenção do bem-estar. E por falar nisso, já chegou diante da janela pra observar como está o dia lá fora? Pare e repare no mundo que grita e te convida a vivê-lo. A todo instante as coisas estão acontecendo, porém passamos o dia inteiro atolados em um milhão de serviços atrasados e inadiáveis enquanto deixamos de contemplar as sutilezas da vida, o milagre de cada novo dia.

Pare alguns minutos e observe ao seu redor, veja o sol brilhando no céu, sinta a brisa da noite, contemple os pombos que voam e colhem migalhas de comida no chão, as crianças correndo pra lugar algum, feche os olhos e ouça os sons do ambiente, decifre-os, deleite-se com as sensações as quais não tem tempo de curtir quando está preso no trabalho e na rotina cansativa do dia a dia. Perca tempo, é a dica que lhe dou, pare tudo agora e “faça nada” por alguns instantes. Esqueça tudo que lhe disseram sobre “não se pode perder tempo na vida”, perca sim.

Por várias vezes me vi completamente desconcentrado em meus estudos, me senti perdido e fracassado, cheguei a imaginar que possuía algum déficit cognitivo ou distúrbio, mas na verdade tudo não passava de uma necessidade mal interpretada a qual exigia da minha mente algum descanso. Quase caí na besteira de recorrer a medicamentos ou de me entregar à onda de pensamentos derrotistas, várias vezes não me senti capaz de manter o ritmo frenético e exigente a que nos submetemos quase sem perceber. Eu só precisava parar um pouco, perder tempo.

Numa dessas ocasiões resolvi largar na mesa os meus livros e deixar um pouco de lado minhas metas, fui passear sem rumo. Esqueci propositadamente o relógio na gaveta da cômoda, calcei um par de tênis velhos e fui correr no parque carregando no rosto um sorriso de esperança - misto de alívio e satisfação. Deixei em casa todos os meus compromissos e naquele momento me senti leve, permiti que essa sensação tomasse conta de mim e me desobriguei a carregar por algumas horas o peso da responsabilidade e de minhas próprias cobranças. Fugi do caminho trivial e optei pelos mais longos, quis mudar os ares, vi pessoas que jamais havia encontrado e que provavelmente moram no mesmo quarteirão que eu, senti cada árvore do caminho, deitei na grama do parque, me lambuzei ao comer um picolé como fazia quando era criança. Pensei na vida, na morte da cabrita, no coelhinho da páscoa, na viagem que quero fazer nas próximas férias, sonhei, esvaziei a mente, relaxei como há muito tempo não fazia. Perdi muito tempo até voltar pra casa, exausto. Liguei o rádio, preparei um jantar caprichado, tomei um banho morno e depois li alguns poemas antes de dormir, deixando assim todo o trabalho para o dia seguinte. Foi uma enorme perda de tempo na minha vida, mas depois disso minha alma estava renovada e minha mente extremamente acalmada.

Em seguida, a semana se comportou de maneira diferente, pareceu mais leve, tudo era motivo de riso. Os colegas de trabalho não conseguiam entender porque eu estava tão bem humorado diante de tantas metas complicadas e compromissos estressantes, trabalho acumulado, afazeres, listas de problemas; a maioria estava desesperada à beira de um ataque de nervos, como tantas vezes já fiquei. Agora não fico mais, pois aprendi a reservar um espaço na minha agenda pra “perder tempo”.

Hoje não me permito mais sufocar com a rotina, de vez em quando largo tudo e sumo, perco tempo da vida aproveitando-a intensamente, não ligo quando me dizem que é besteira ler um livro que nada tem a ver com minha profissão ou quando passo horas sentado na areia da praia a contemplar a lua cheia e me acham louco por conta disso. Tolos são os que acreditam ganhar tempo ao acumular trabalho; me desculpem, mas perder tempo é fundamental!

[Mente Hiperativa]