segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Profundo como tudo que não tem fim


Profundo como tudo que não tem fim

Fizemos Nexo a noite inteira . Entre frases e beijos misturamos ideias com o cheiro da nossa pele, as palavras saíam de nossas bocas incorporadas em atitudes e até o gesto mais simples carregava um pouco de nossa essência ali exposta sem qualquer tipo de proteção. Estávamos nus, despidos de qualquer casca que pudesse proteger aquilo que carregávamos na alma. Éramos puro sentimento em conexão naquele instante.

Foi longo aquele encontro, parecia coisa de outra vida, vi seus sonhos expostos diante de minhas retinas fatigadas, expus os meus da forma sincera que uma criança faria, sem medo nem resguardo. E eles cresceram sem que precisássemos fazer nada. Senti o suor pingando e já não sabia mais se era meu ou seu tamanha era a comunhão de carne e pensamentos que vivenciávamos naquele momento.

Tão intensa foi a entrega que criamos uma ponte entre nossas mentes por onde fluiam banalidades e seriedades. Cheguei a me esquecer que éramos de carne e osso, alimentei-me de tuas emoções as quais fluiam constantemente a ponto de quase inundar o quarto. Ofereci em troca o meu calor.

Senti-me tão à vontade como poucas vezes me ocorreram na vida, só podia ter sido um arranjo celestial, universal, cosmicamente confabulado. E foram muitos os sorrisos e beijos - afagos na alma - amostras de afeto gerados em meio a um oceano de hormônios que borbulhavam em nós. Esqueci do tempo, esqueci do que me esperava lá fora. Restava apenas a certeza de que nada faria nexo depois daquele breve e eterno mergulho que demos juntos em nossa alma aquele dia.

[Mente Hiperativa]

domingo, 22 de dezembro de 2013

Inatingível perfeição


Inatingível perfeição

Por muito tempo você me exigiu a perfeição e eu, inocente, passei a persegui-la a todo custo até entender que não era a Minha perfeição que eu buscava, mas aquela que Você idealizou pra mim. Um dia me dei conta de que estava perdendo meu tempo e pior, a minha identidade, a minha auto-estima, o meu amor-próprio. E isso tudo apenas para agradar e obter o amor de uma pessoa que não cuidava de mim.

De tanto você falar e me cobrar eu acabei acreditando que precisaria ser perfeito, então tomei tal objetivo como meta de vida. O resultado aqui está: um indivíduo cheio de feridas, mágoas, dores, baixa auto-estima e sobretudo cheio de defeitos, aqueles que você adora me relembrar e tantos outros que eu mesmo crio sozinho.

Mas o tempo passou e eu amadureci, me questionei, sofri bastante e acabei descobrindo que não preciso do seu amor tampouco preciso atingir a perfeição idealizada por Você. Não foi fácil encontrar essa verdade e aceitá-la, mas foi um alívio imenso. Hoje eu sou livre, me sinto forte e poderoso, pois sei que mesmo cheio de defeitos eu sou perfeitamente aceito pelas pessoas que verdadeiramente me amam.

Desisti da missão que você me colocou, abortei o plano de atingir Seu ideal de perfeição, jogo seu conceito no lixo e desobedeço suas súplicas chantagistas de alcançar esse ideal. Desisto até do seu amor. Agora eu empenho minhas energias em cuidar das minhas feridas, remediar minhas mágoas e dores, cuido da minha auto-estima abalada e da minha fragilidade emocional. E sou amado.

Sinto-me um prisioneiro recém-saído do cárcere, a luz da liberdade  ofusca minha visão mas isso me causa imenso prazer. Não sei ainda pra onde vou, mas tenho convicção de que serei feliz onde for. Para o seu desalento ainda carrego em mim todas aquelas características que você julgava como defeito e agora mais uma que me fez afastar de ti e viver Minha vida: amor-próprio.

[Mente Hiperativa]

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Desatando o nós


Desatando o nós

Eu e você,
de laço frouxo
viramos nó cego.

Não dá mais,
não sei separar:
Emendamos!

E eu me perdi...
atado, unido
às suas cordas.

Ah, vou cortar
esse fio apertado
que nos une.

Quero ser
apenas eu só.
E não um nó!

[Mente Hiperativa]

sábado, 9 de novembro de 2013

Éramos felizes...



Éramos felizes...

Éramos tão felizes em nossos sonhos...
Em nossos mundinhos construídos e protegidos
Onde tudo funcionava perfeitamente bem
À nossa maneira

Até que a realidade brotou no meio de nós
Sufocando nossas idealizações bobas e lúdicas
Subjugando cruelmente nossos pobres desejos
A um mundo seco onde a fantasia é renegada

Eis que me pergunto, então:
O que restará de NÓS em meio a isso tudo?


[Mente Hiperativa]

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Aproxi(a)mando



Aproxi(a)mando 

Mais uma vez ouvi tua voz
me convidando a te encontrar
Arrumei as malas bem veloz,
e saí pelo mundo a te buscar

Na bagagem, sentimentos puros
carrego somente pra te ofertar
Pra trás deixo aqueles mais duros,
na esperança de não ter que usar

Não sei o que em ti me encanta
você me deixa leve, flutuando no ar
Apareça e acabe com minha agonia
estou ávido por poder te tocar

Vaguei pela vastidão do infinito
e pra casa fui obrigado a voltar
Não encontrei esse amor tão bonito
porém jamais cansarei de procurar

Durmo esperando sua aparição
não vejo a hora de você me dar
Pistas para que o seu coração
eu possa finalmente alcançar

[Mente Hiperativa]

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Perca tempo!


Perca tempo! 

Desde muito cedo aprendi que na vida não podemos perder tempo, me ensinaram que o mais importante é estudar e trabalhar pra ter uma vida boa e que o resto é pura bobagem. Cresci vendo pessoas se esforçarem diariamente para alcançarem a estabilidade financeira num futuro próximo. Acreditei nessa história e pulei de cabeça nos estudos, levei o conselho tão a sério que demorei a me questionar sobre o que fazia da vida além de construir minha carreira profissional. E me assustei com a conclusão a que cheguei.

Percebi que vivo imerso num ciclo de estudo e trabalho tão intenso que muitas vezes nem me dou conta de que há vida além da carreira profissional. Quando criei coragem de sair e conhecer o mundo lá fora constatei que não sou o único a perseguir obsessivamente minhas metas; muitos estão cegos para a vida e ainda não se deram conta disso. Pessoas assim, que vivem para o estudo e trabalho, precisam reconhecer que há outras atividades igualmente enriquecedoras, que nos fazem crescer, garantem bem-estar, liberdade, prazer e outros valores necessários ao estabelecimento do nosso equilíbrio. É necessário nutrir a alma para que o indivíduo não padeça!

Depois dessa auto-análise profunda entendi que me ensinaram a lição errada, tratei então de ressignificar a “perda de tempo” em minha vida. Descobri que além de permitido é também recomendável perder tempo de vez em quando, é essencial à saúde mental e à manutenção do bem-estar. E por falar nisso, já chegou diante da janela pra observar como está o dia lá fora? Pare e repare no mundo que grita e te convida a vivê-lo. A todo instante as coisas estão acontecendo, porém passamos o dia inteiro atolados em um milhão de serviços atrasados e inadiáveis enquanto deixamos de contemplar as sutilezas da vida, o milagre de cada novo dia.

Pare alguns minutos e observe ao seu redor, veja o sol brilhando no céu, sinta a brisa da noite, contemple os pombos que voam e colhem migalhas de comida no chão, as crianças correndo pra lugar algum, feche os olhos e ouça os sons do ambiente, decifre-os, deleite-se com as sensações as quais não tem tempo de curtir quando está preso no trabalho e na rotina cansativa do dia a dia. Perca tempo, é a dica que lhe dou, pare tudo agora e “faça nada” por alguns instantes. Esqueça tudo que lhe disseram sobre “não se pode perder tempo na vida”, perca sim.

Por várias vezes me vi completamente desconcentrado em meus estudos, me senti perdido e fracassado, cheguei a imaginar que possuía algum déficit cognitivo ou distúrbio, mas na verdade tudo não passava de uma necessidade mal interpretada a qual exigia da minha mente algum descanso. Quase caí na besteira de recorrer a medicamentos ou de me entregar à onda de pensamentos derrotistas, várias vezes não me senti capaz de manter o ritmo frenético e exigente a que nos submetemos quase sem perceber. Eu só precisava parar um pouco, perder tempo.

Numa dessas ocasiões resolvi largar na mesa os meus livros e deixar um pouco de lado minhas metas, fui passear sem rumo. Esqueci propositadamente o relógio na gaveta da cômoda, calcei um par de tênis velhos e fui correr no parque carregando no rosto um sorriso de esperança - misto de alívio e satisfação. Deixei em casa todos os meus compromissos e naquele momento me senti leve, permiti que essa sensação tomasse conta de mim e me desobriguei a carregar por algumas horas o peso da responsabilidade e de minhas próprias cobranças. Fugi do caminho trivial e optei pelos mais longos, quis mudar os ares, vi pessoas que jamais havia encontrado e que provavelmente moram no mesmo quarteirão que eu, senti cada árvore do caminho, deitei na grama do parque, me lambuzei ao comer um picolé como fazia quando era criança. Pensei na vida, na morte da cabrita, no coelhinho da páscoa, na viagem que quero fazer nas próximas férias, sonhei, esvaziei a mente, relaxei como há muito tempo não fazia. Perdi muito tempo até voltar pra casa, exausto. Liguei o rádio, preparei um jantar caprichado, tomei um banho morno e depois li alguns poemas antes de dormir, deixando assim todo o trabalho para o dia seguinte. Foi uma enorme perda de tempo na minha vida, mas depois disso minha alma estava renovada e minha mente extremamente acalmada.

Em seguida, a semana se comportou de maneira diferente, pareceu mais leve, tudo era motivo de riso. Os colegas de trabalho não conseguiam entender porque eu estava tão bem humorado diante de tantas metas complicadas e compromissos estressantes, trabalho acumulado, afazeres, listas de problemas; a maioria estava desesperada à beira de um ataque de nervos, como tantas vezes já fiquei. Agora não fico mais, pois aprendi a reservar um espaço na minha agenda pra “perder tempo”.

Hoje não me permito mais sufocar com a rotina, de vez em quando largo tudo e sumo, perco tempo da vida aproveitando-a intensamente, não ligo quando me dizem que é besteira ler um livro que nada tem a ver com minha profissão ou quando passo horas sentado na areia da praia a contemplar a lua cheia e me acham louco por conta disso. Tolos são os que acreditam ganhar tempo ao acumular trabalho; me desculpem, mas perder tempo é fundamental!

[Mente Hiperativa]

terça-feira, 2 de julho de 2013

Uni-versos




Uni-versos

Joguei meu corpo celeste no colosso imaterial do espaço, em meio a cometas, meteoros, poeira cósmica. Vago pela imensidão desconhecida de puro vácuo e escuro sem fim, mas sigo firme a procura de outra dimensão infinita que me caiba por inteiro. E se consentirem as estrelas, posso até me mudar para o seu universo em expansão. Dependerá apenas de Marte, se Vênus assim quiser.

Farei minha galáxia Índigo fundir-se à tua, Fúscia, num choque perfeitamente inelástico. Criaremos assim uma cor inédita, cheia de luz-própria, união de nossas essências. E te provarei que a teoria dos universos paralelos é pura balela científica. Cruzaremos nossas dimensões numa equação de solução X, sendo tal incógnita o incontável conjunto de números reais: racionais ou irracionais - assim como eu e você. Afinal somos tão primitivos em se tratando de algarismos. E sentimentos ímpares.

Então, logo que transpusermos a barreira do tempo e do espaço, seremos uma sintonia transbordante de ignorância e amor, desconhecedores de qualquer lei (humana) da física clássica ou moderna. Despidos de qualquer consciência matemática navegaremos além do mar cartesiano de certezas pragmáticas e prepotência humana. Não precisamos disso, afinal o amor desconhece e não se submete a quaisquer regras numéricas.

Assim será, quando meu corpo largado encontrar o teu  no vácuo das idéias, onde somente a luz poderá nos conduzir, perdidos, um ao outro. E quanto às partículas subatômicas que por ventura o nosso enlace possa arrancar, falta alguma farão ao espaço sideral. Até mesmo ele sobreviverá à nossa sede de engolir inteiro um ao outro, como faria um buraco negro a um organismo espacial qualquer. Somente o amor é verdadeiramente infinito.

[Mente Hiperativa]

sábado, 29 de junho de 2013

A alternativa


A alternativa


Há algumas semanas apresentava sintomas persistentes, depois de alguns exames alterados descobriu-se grave enfermidade que poderia tirar-lhe a vida em curto prazo de tempo, caso não fosse medicada corretamente. Internou-se, portanto, para tratamento em caráter de urgência. Desde então sua rotina jamais foi a mesma, o sono passou a ser curto e entrecortado, seu organismo sofreu enorme desgaste e profundas olheiras de sofrimento passaram a tingir seu rosto. Além disso, os remédios fortes que tomava e o intenso cansaço lhe aguçavam ainda mais tal desconforto, as acomodações hospitalares também não eram nada acolhedoras. O clima frio tomava conta não só do quarto, mas de sua alma, e isso tornou seu prognóstico pouco animador.

Ao mesmo tempo em que tentava aceitar sua condição, observava com desgosto os tubos que lhe conduziam ar às narinas, lembrando-se que até o mês passado conseguia respirar enquanto agora se sentia incapaz até de fazer isso. Remédios eram oferecidos em intervalos rigorosamente cronometrados e provocavam reações adversas insuportáveis: dor de cabeça, de estômago, náuseas e mal-estar, entre outros. Os apitos constantes das máquinas já não incomodavam, havia se acostumado com toda aquela barulheira do mesmo jeito que também não se assustava tanto ao passar a mão na cabeça e se dar conta de que não havia cabelo, somente uma lanugem áspera a espetar a palma de sua mão.

Sua aparência não era das melhores, estava muito abatida e por isso evitava ao máximo se olhar no espelho, perdera a vitalidade e com ela a vaidade que tinha anteriormente. Estava muito magra, magra e desidratada, pois de vômito em vômito perdia líquido em demasia, apesar do soro que ingressava pelas suas veias. E como não bastassem as agulhadas quase diárias de coleta de sangue, a cada três dias trocavam o acesso venoso furando-lhe novamente noutro ponto do braço ou até mesmo da mão. Com o passar das semanas ficou parecendo uma peneira cheia de furos.

Seguiu essa nova rotina, dia após dia, sempre aguardando uma melhora que nunca se mostrava. E assim um novo esquema era implantado, uma nova fase, novos remédios, porém a cura nunca se fazia plena. Parecia até uma tortura medieval, mas os médicos asseguravam que era um “mal” necessário, o “único” caminho para assegurar sua saúde. Não lhe restava escolha senão esperar e se submeter à terapêutica convencional.

Às vezes tinha vontade de fugir dali, mas não tinha como fazer isso, não tinha nem forças. Queria desistir, queria ficar boa, queria... Queria que tivesse sido diferente. E a cada garfada de arroz branco e grudento com purê de batata sem gosto tentava esquecer tal realidade, comia com esforço, apenas esperava que aquilo acabasse logo e pudesse retornar à sua rotina boba de muito trabalho e pouco tempo livre. Pensou em se cuidar mais quando saísse dali, mas logo lembrou que teria muito trabalho acumulado e não poderia se dar ao luxo de deixá-lo em segundo plano.

Suportou até onde deu, sofreu com os remédios, se desiludiu com a falta de perspectivas e implorou por alguma outra saída para seu sofrimento. Sentia sua mente esgotar-se diante daquela rotina dolorosa, estava morrendo aos poucos apesar de tanto aparato à sua volta, de tantos cuidados e drogas. Diante disso, tomou uma importante decisão: iria voltar pra casa e aguardar pelo fim.

Levantou-se da cama arrancando os aparelhos de seu corpo como quem tomava posse de si novamente, mas ao colocar o primeiro pé no chão em direção à liberdade levou um enorme tombo e caiu num surto de fraqueza e tontura. Acordou na mesma cama, mas dessa vez acompanhada por uma enfermeira ao seu lado, segurando sua mão. A ela contou sua decisão de sair dali e aguardar o fim dos seus dias em casa, longe de aparelhos, injeções e pessoas vestidas impecavelmente de branco. Foi um choque pra toda a equipe de saúde, ninguém concordava com tamanha loucura de recusar-se à quimioterapia, seria um suicídio, um absurdo! No entanto nada podiam fazer além de argumentar contra a escolha daquela mulher insana que queria a todo custo morrer em sua residência. E como ninguém podia prendê-la, deixaram que ela fosse.

Após recuperar parcialmente sua vitalidade ela saiu do hospital e mudou-se para um sítio pouco afastado da cidade em que vivia, alugou por uma temporada uma bela e confortável casa onde se instalou por tempo indeterminado. Sabia que mais cedo ou mais tarde a doença a levaria embora, mas recusou-se a passar o fim dos seus dias vivendo artificialmente como quem luta com a divindade e sua imensa sabedoria. Levou alguns remédios, tirou uma boa quantia de dinheiro no banco e enfiou-se no meio do mato pra curtir o pouco tempo que ainda lhe restava de vida.

A nova vizinhança quase nada sabia a seu respeito, tampouco suspeitava que carregasse dentro de si uma bomba pronta pra explodir a qualquer instante - seis meses, segundo arriscaram alguns médicos mais pretensiosos. Preferiu que os vizinhos não soubessem de nada, não queria receber olhares de pena ou julgamento. O povoado que agora habitava era bastante receptivo de modo que ela logo fez amizade com a maioria deles, promovendo festas animadas em sua casa, com fartura de comida e boa música, ao vivo. Dançou muito, fez da vida uma eterna comemoração e experimentou cada dia como se fosse verdadeiramente o último. Aos fins de semana recebia parte de sua pequena família, o que fazia a festa dentro do seu coração ser ainda maior que o habitual.

Pouco mais de dois anos se passaram e a vida no campo parecia lhe fazer muito bem. Desde que saiu do hospital e se mudou ela adquiriu novos hábitos, mais saudáveis, passou a acordar bem cedo com o canto do Galo, se alimentava melhor, sorria bem mais do que na cidade. Todas as manhãs, ainda de camisola, ela ia até a sacada do quarto pra contemplar o nascer do sol e ouvir também o canto dos sabiás, bem-te-vis e outros pássaros cujos nomes desconhecia. Gostava de fechar os olhos e respirar pausadamente o ar puro enquanto o som das aves penetrava doce em seus ouvidos. Essa simples atitude fazia sentir-se viva a cada manhã, tão viva que às vezes até esquecia que dentro de si crescia uma massa maligna de nome impronunciável.

Depois de um banho morno de banheira e um café da manhã reforçado, descia até a horta pra cuidar de suas ervas, criava também galinhas de capoeira, patos e cabras. Não queria se ocupar com porcos, cavalos ou outros animais maiores, evitava qualquer trabalho pesado. Passava o dia executando pequenas atividades e apesar da doença levava uma vida normal. Entre uma tarefa e outra o dia acabava logo, mas não sem oferecer-lhe uma sensação intensa de prazer em estar viva. Esse passou a ser o seu tratamento alternativo.

Todos os dias ao cair da tarde ela sentava no balanço do jardim como quem realizava um pequeno ritual, tirava as botas e o chapéu jogando-os na grama, balançava ritmicamente enquanto admirava as flores cultivadas com tanto amor e carinho. A essa altura o sol estava alaranjado e pintava o horizonte em despedida, era a hora de agradecer por mais um dia de vida. Desejava fortemente que mais uma manhã pudesse vir logo adiante, lembrava de quando estava no hospital cercada por máquinas e canos invasivos, mas agora tinha o conforto da natureza ao seu lado. Contava com a cumplicidade da vida no campo pra perpetuar os instantes que ainda podia desfrutar.

Depois de sua reflexão diária se recolhia em casa e já vestida com seu pijama arrumava-se pra dormir, nunca tinha certeza se acordaria ou não, mas por via das dúvidas preferia dormir sempre bem penteada e bonita. O dia seguinte seria festa e os vizinhos já sabiam que encontrariam muita alegria na casa daquela jovem senhora, tão feliz que ela era. Parte da comida já estava pronta na cozinha, as roupas haviam ficado penduradas no varal lá fora pra que o vento da noite as secasse. Algumas flores recém-colhidas adornavam os vasos da sala e perfumavam o ambiente. Ela soprou firmemente as velas, fez o sinal da cruz e se cobriu em mais uma noite fria. O som dos grilos e das rãs quebrava o silêncio. Ela cruzou as mãos em cima do peito e fechou os olhos, apagando na imensidão escura da noite.

[Mente Hiperativa]

terça-feira, 25 de junho de 2013

Re-encontro



Re-encontro

Depois de quase três anos o destino nos colocou outra vez cara a cara, dando-nos assim uma chance de reforçar laços já enfraquecidos pelo tempo. Ao revisitar teu apartamento enxerguei-me marcado em cada uma de suas paredes, como se por acaso pedaços de mim tivessem ficado ali, impregnados nos lençóis do teu quarto, em meio às garrafas vazias que sobraram de nossas farras. Eram os destroços sobreviventes da nossa relação a qual ainda guardo como boa lembrança daquele tempo.

Ao adentrar novamente no seu lar – e na sua vida – observei atentamente cada centímetro quadrado e constatei que pouca coisa mudou desde a última vez que estive ali: os quadros são os mesmos e permanecem na mesma posição, as esculturas no chão e nas mesas, origamis pendurados por cordões de lã, xilogravuras, quase nada foi mexido de lugar, até as fotografias ainda são as mesmas. Apenas um jacaré de cerâmica ‘habita’, agora, um canto da sala. E fico a imaginar que tipo de amigo te deu essa peça nova. À minha inspeção não escapou teu rosto, que sustenta o mesmo sorriso lindo de antes, apenas um ou outro cabelo branco pareceu-me novidade e ainda assim te conferiu um ar mais maduro, um charme adicional. Teu corpo também não ficou devendo nada ao tempo, está em plena forma.

Deitamos no sofá pra conversar, o mesmo sofá que nos aconchegou tantas e tantas vezes. Ah, se ele falasse teria muitas histórias boas pra contar, pois assunto nunca nos faltou. Não pude deixar de notar de imediato seu novo revestimento estampado de pássaros voando em direção aos galhos de uma árvore. Mas felizmente continuava sem poder contar nossos segredos. Repousamos, então, em seus galhos esperando que os pássaros viessem dar asas às nossas mentes. Assim, viajamos mais uma vez em longas e intermináveis conversas.

A tarde correu e em meio a um assunto e outro nos acomodávamos como podíamos naquele sofá pequeno, tu se aninhava em meu peito pedindo proteção e eu achava aquilo bom demais. Fiz carinho no teu cabelo ao mesmo tempo em que varri o ambiente com meus olhos, afinal precisava me certificar de tudo que mudou, ou ter certeza de que estava tudo como deixei. Notei a velha bagunça de sempre na mesa da sala, os papéis espalhados, as pilhas de CDs e os marcadores de livros, um prato com uma generosa fatia de pé de moleque e uma empada de camarão estavam cobertos por um vidro. O computador, pequenas estátuas e um catálogo de moda pareciam esquecidos no chão, mas eu sabia que era mania sua deixá-los ali.

Enquanto você se remexia e se acomodava nos meus braços eu continuava minha exploração visual pela cozinha: azeites, pimentas, castanhas-do-Pará, geléias e vodkas. Tantos outros ingredientes que um desavisado pensaria que és chef, mas a mim você não engana, te conheço e sei que mal sabes cozinhar. Um cheiro forte de canela vinha da cozinha e incensava a sala enquanto o vento corria de janela a janela e nós conversávamos coisas sérias ou bobagens.

Em meio ao papo perguntei disfarçadamente quem havia te presenteado com aquele jacaré e você disse que tinha comprado numa feira de artesanato na ilha de Marajó. Preferi acreditar a imaginar outras coisas, mas você conhece meu jeito desconfiado e na tentativa de dissimulá-lo sugeri que colocasse uma de suas playlists pra tocar. De imediato você foi ao quarto atender meu pedido e logo me chamou, mordendo a isca em cheio. Quando abri a porta senti o vento frio do ar-condicionado a nos esperar, a cama baixa nos atraía enquanto o edredom reforçava tal convite. Vi tuas roupas espalhadas pelo chão, amassadas dentro de uma mala entreaberta e jogadas no cabide. Pensei por um instante que eu tão organizado jamais me adequaria à sua imensa capacidade de bagunçar tudo; tinha medo, inclusive, que acabasse bagunçando minha vida. Tratei de apagar a luz pra esquecer tudo o redor, passei a te enxergar somente com as mãos, ao som da playlist #Tropicália.

Depois de inúmeras faixas de Rita Lee, Gil e Caetano, chegamos naquele momento em que tudo se esvazia dentro de si, procurando algum sentido que não faz qualquer sentido. A razão logo cedeu lugar ao prazer e a cama ficou pequena demais pra caber tanto sentimento, até que ao fim de tudo nossos corpos se reorganizaram no universo e se reencontraram no tempo e no espaço. E depois de tomar consciência da realidade, fiquei calado, de olhos fechados, apenas sentindo meu coração acelerado, a respiração profunda, tua pele ardendo junto à minha e aquela sensação de formigamento na Alma. Fechei os olhos, contemplei o instante, abri os olhos e vi o teto branco, depois vi você com um belo sorriso me esperando voltar do transe. Dormimos abraçados.

O dia amanheceu e eu precisava ir embora, logo mais você também ia levantar pra trabalhar, mas por enquanto fingia dormir pra não ter que me ver partir. Sinto que meu cheiro ficou impregnado nos teus lençóis. Escovo os dentes na pia do banheiro ao mesmo tempo em que massageio os pés no tapete colorido que você trouxe do Agreste. Me aproximo de ti e te dou um beijo, você não abre os olhos nem se mexe, mas sei que é porque odeias despedidas. Saio do quarto deixando nas paredes pedaços de mim e você sorri sem perceber que te espio do lado de fora, pela fresta da porta. Vou embora com saudade, não sei se volto amanhã, em uma semana ou se o destino nos afastará novamente por mais três anos. Só sei que guardo boas lembranças de ti, deixo também qualquer coisa boa em teu coração.

[Mente Hiperativa]

sábado, 15 de junho de 2013

Sítio solidão


Sítio solidão

Assisto o céu lá fora
desabar em chuva;
aqui dentro, confuso
emaranhado de ideias.

O ponteiro do relógio
marca segunda-feira.
E não sobrou amor
para o café da manhã.

[Mente Hiperativa]

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Lavar a alma com sal. E sol



Lavar a alma com sal. E sol

Resolvi me esconder na concha do tempo,
fazer pingar dos meus olhos gotas de silêncio.
Salgadas.
Mudas.
Meu choro não fala,
cala.
Assim como os tapetes velhos
e empoeirados,
às vezes eu preciso lavar minha alma
e colocá-la pra levar um pouco de sol.
E só.

[Mente Hiperativa]

domingo, 9 de junho de 2013

Subindo na vida



Subindo na vida
                                                                                                                             Capaz.
                                                                                                                      Me julgo
                                                                                                                Do que
                                                                                                            Mais
                                                                                                       Muito
                                                                                                Subir
                                                                                           Posso
                                                                                    Assim
                                     E paro pra descansar um pouco.
                            Da vida
                   Escada
          Subo a        
Às vezes

[Mente Hiperativa]

sábado, 1 de junho de 2013

Amo a vida


Amo a vida

amo a vida
a vida amo
amo vida a
vida a amo
a amo vida
vida amo a

[Mente Hiperativa]

sexta-feira, 31 de maio de 2013

A abordagem da saúde orgânica e mental na medicina



A abordagem da saúde orgânica e mental na medicina 

É impressionante como a maioria dos médicos - formados ou em formação - tem uma visão limitada da saúde, restrita apenas aos distúrbios fisiológicos. Tanto é assim que basta algum deles apresentar um olhar mais apurado para as questões psíquicas e todos os outros o aconselham a seguir a carreira de psiquiatra, como se por acaso a saúde mental fosse relegada apenas a essa especialidade médica, sendo impossível unir o contexto emocional/comportamental às questões orgânicas numa visão holística do paciente. Mas lembre-se que nenhum ser humano é feito apenas de carne, todo ele é corpo e mente.

Da forma que a maioria conduz a consulta médica fica parecendo que o clínico trata a "doença orgânica", considerada principal e raiz de todo o problema; enquanto o psiquiatra cuida, em separado, de toda repercussão mental que é encarada como secundária e menos importante. Na realidade uma coisa nasce junto à outra e ambas trazem sofrimento e prejuízo ao paciente, seja na vida profissional, amorosa, pessoal, relacionamentos, etc.

Acredito que todo médico deveria observar e interpretar o comportamento de seus pacientes, seus gestos, sua fala e sobretudo discutir suas queixas e os impactos emocionais que elas lhe causam na vida, assim poderia entendê-lo melhor e tratá-lo segundo suas peculiaridades, como ser único que ele é. Não precisa ser nenhum psiquiatra pra aprender a acalmar com um olhar, passar segurança através de um toque firme ou aliviar sintomas de insegurança e ansiedade através de uma boa orientação.

São pequenos gestos que muitos profissionais consideram besteira ou banalidade, mas para o paciente produzem uma diferença absurda, se sentem tratados com dignidade e respeito. Infelizmente, em meio ao crescente número de atendimentos muitos médicos têm se distanciado dos pacientes, tratando-os apenas como um amontoado de sintomas físicos e outras reclamações sem sentido que merecem ser desprezadas. Se por acaso conseguirem resgatar os valores humanos e passarem a analisar o paciente em sua dimensão total, de repente aquela conduta que parecia domínio exclusivo do psiquiatra se tornará uma importante ferramenta no auxilio do tratamento da doença “orgânica”, que nunca será puramente orgânica.

Sendo assim, acredito que o clínico consciente das porções física e psíquica terá muito mais êxito no tratamento do paciente e aumentará bastante sua chance de cura, qualidade de vida e restauração do equilíbrio. Nunca se esqueça que o orgânico e o mental são indissociáveis, apesar de estudarmos eles separados são intrinsecamente unidos e por isso mesmo devem ser tratados como tal.

Por fim, não podemos nos deixar sucumbir pelo modelo de atendimento automático ao paciente nem nos render e nos tornar iguais aqueles que tentam nos fazer secos e desumanos, jamais devemos aceitar esse tipo de imposição. Precisamos exercitar nossa sensibilidade para perceber nuances de comportamento, fazer a leitura da mente através de suas manifestações, observar o paciente e interpretar a maneira como seu jeito de ser repercute no funcionamento da doença. Ser médico é mais que passar um exame ou requisição de remédio, ser médico é cumprir uma missão de amor.

[Mente Hiperativa]

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Palavras soltas


Palavras soltas


Isso                                       não                                                
                              são

  apenas  
                                                                    palavras                                                            soltas.









São meus pensamentos ainda desorganizados.

[Mente Hiperativa]

sexta-feira, 24 de maio de 2013

o amor de Deus


O amor de Deus

Quando quero me sentir perto de Deus não procuro igreja ou templo, olho para dentro de mim e sei que ele está lá. Quando preciso ouvir sua palavra, não leio livro algum, mas converso diretamente com ele em meus pensamentos e orações. E na vida ele me revela seus ensinamentos, também me faz de seu instrumento para propagar o amor, mostrando-me de forma inegável o seu enorme poder.

[Mente Hiperativa]

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Os encontros e desencontros do amor


Os encontros e desencontros do amor

Se conheceram numa mesa de bar, durante a despedida de um amigo que viajava pra Europa a estudo. Ela tinha 17 anos, toda ‘verdinha’, acabava de ingressar na universidade, queria experimentar um pouco de tudo, principalmente a liberdade; ele tinha acabado um relacionamento de 4 anos há apenas 3 meses, aos 23 anos acabava de se formar num curso de grande status e assim ganhava/gastava dinheiro como quem respirava, afinal agora sentia que podia tudo.

Duas cabeças vazias - ou esvaziadas - dois corpos sedentos por prazer, descobertos de qualquer sapiência que os levasse a esperar algo mais sério um do outro. Doses e mais doses de Whisky, olhares insinuantes, mãos que corriam entre pernas e ombros. Assim começou o enlace que, como deve se suspeitar, acabou num quarto de motel. E acabou por lá mesmo, pois no dia seguinte cada um seguiu seu rumo como se a noite não tivesse representado nada.

Eram dois imaturos, cada um querendo saciar suas necessidades e esconder suas fraquezas a sua maneira particular, dois mundos que não se chocavam tampouco se completavam; tinha tudo pra não dar certo. E não deu. Mas a vida, como é interessante, fez com que lá na frente cruzassem um o caminho do outro em condições emocionais mais favoráveis.

Eis que cinco anos depois, ambos se encontram no velório de um amigo em comum. Não foi a ocasião mais adequada pra despertar um sentimento, porém em meio a velas e cravos os dois sentiram uma discreta elevação da batida cardíaca. Era sinal do amor que fora sufocado naquela ocasião remota, ele ainda mantinha suspiros de vida e esperança dentro deles. Disfarçando as intenções, marcaram de sair pra sob o pretexto de ‘trocar ideias profissionais’, e depois outro encontro, e outro, e outro. Demoraram pra entender a situação, pois foi difícil aceitar que haviam mudado e que não eram mais tão ocos quanto aquela época. Eram outros.

Assim nasceu a história do casal e é incrível observar como o destino oferece a oportunidade do reencontro, de deixar cair as máscaras que usamos na conquista pra fingir aquilo que não somos; como a dor é capaz de deflagrar nossa essência e permitir que sejamos transparentes a ponto de expor nossa alma ao outro. O sofrimento amadurece e assim proporciona novas oportunidades que antes não se configuravam. Havia tanto tempo que se conheceram que não podia se dizer que ainda eram os mesmos, eram agora outras duas pessoas com uma nova possibilidade de entrega e realização conjunta. A vida brindou os dois com o amor e deu uma nova chance de fazer dar certo, basta se permitam.

[Mente Hiperativa]

quarta-feira, 15 de maio de 2013

O mais belo produto do amor


O mais belo produto do amor

Primeiro percebeu uma sensação de incompletude mal explicada, acompanhada por uma inquietação sem razão aparente (ao mesmo tempo que parecia ter todas as razões do mundo pra se manifestar). Sentiu-se como um índio selvagem largado no meio da cidade insalubre de puro concreto e calor de 45ºC. Não fazia a menor ideia de onde deveria ir, apenas desfrutava o sabor do vácuo no universo infinito, como um grande satélite sem coragem ou impulso próprio pra seguir a um lado ou outro.

Assim manteve-se por um bom tempo, parada, imersa em elucubrações difusas sem saber exatamente onde iria chegar, mas disposta a descobrir a raiz de todo desconforto que lhe acometia. Tinha consciência de que ninguém poderia ajudá-la naquele momento, pois chegar à razão de suas angústias mais íntimas era tarefa que deveria ser feita na solidão de seus pensamentos. 

Ainda não compreendia o motivo de tamanho mal-estar, afinal vivia o auge da independência em sua vida, momento o qual jamais havia experimentado anteriormente. Por que sentir-se incompleta se agora tudo parecia tão perfeito como nunca antes? Apesar de tanta estabilidade e segurança, faltava-lhe alguma coisa que não sabia ainda o que era, apenas desejava ardentemente por algo que a tirasse da confortável posição de quem já concluiu todos os planos na vida. Queria um desafio capaz de preencher a lacuna que habitava sua alma e assim surgia uma necessidade que ainda se manteria desconhecida e enigmática por um bom tempo. 

As respostas a seus questionamentos vieram no momento certo, após o devido amadurecimento e preparo para recebê-las. Depois de refletir bastante foi que constatou que não poderia completar esse vazio por si só, precisaria da ajuda de outra pessoa para que esta lhe doasse um pedaço seu, o qual junto com um pedaço dela mesma enfim preencheria o vazio que ambos sentiam na alma. Assim, a necessidade foi cedendo lugar a um ardente desejo de encontrar a tal pessoa capaz de aliviar sua angústia, queria também proporcionar a outrem tal sensação de completude. Procurou, então, alguém que compartilhasse do seu desejo e que lhe despertasse no íntimo aquele desconforto típico de quem sabe que encontrou o amor. O estômago pareceu ser o primeiro a manifestar tal denúncia, seguido quase de imediato pelo coração que se acelerou ritmicamente, a pele ficou fria, o suor escorreu pelas mãos como torneiras abertas e por fim um calafrio percorreu a espinha como um sinal de confirmação: era essa pessoa que ela tanto buscou. 

O grande encontro enfim cristalizou a necessidade e desejo de perpetuar sua existência através da geração de outro ser. Esse seria formado por uma ínfima parte de cada um dos dois que juntas e mescladas tomariam vida própria e vontades alheias às vontades de seus genitores. A ínfima parte na verdade seria enorme, ela é tudo, é a percussora de toda a essência do novo ser, a matéria que fornece toda a origem de um organismo, sendo a energia geradora proveniente do contato entre as duas matrizes. O amor se encarrega de coordenar o processo.

Quando encontrou seu par ideal o qual compartilhava das mesmas convicções e vontades reconheceu que havia chegado a hora de perpetuar a própria existência. Então nas suas cabeças surgiram pensamentos que foram ganhando forma dia após dia, como se duas crianças moldassem na massa de modelar uma nova criatura; a modelagem, porém, não era apenas física, era até muito mais espiritual do que qualquer outra forma mais palpável de criação. 

E logo aqueles pensamentos cultivados com o passar dos dias, por muitos dias, foram se desprendendo do fundo de suas almas. Quando os dois corpos estavam juntos, unidos em um só, suas expectativas se juntavam e se misturavam em uma massa energética luminosa que parecia uma pequena estrela envolta por poeira cósmica dando origem ao verdadeiro fruto do amor. Assim, o rebento ia formando sua essência, tal qual carregaria daqui em diante por toda a vida, acrescentando posteriormente diversas características resultantes de suas escolhas e vivências particulares.

Após a concepção findou-se a inquietação inicial daquela mulher, e tantas outras sensações diversas ainda surgiriam em torno desse novo ser. Um cordão invisível passou a unir seus corpos de modo que os prenderia por toda a eternidade num laço indissolúvel de amor.

[Mente Hiperativa]

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Surpresas do amor



Surpresas do amor

Deitada à beira de um leito de hospital observava seu corpo que um dia fora tão belo agora enfraquecido e conectado a diversos tubos enfiados em suas veias. Após descobrir grave doença sua vida nunca mais foi a mesma, sua paz era constantemente perturbada por inúmeras enfermeiras, nutricionistas, médicos e tantos outros profissionais que compunham um entra e sai de gente a todo instante. Eles traziam remédios, soros, injeções, faziam exames e conectavam aparelhos que apitavam de forma incessante. Sem ter escolha, ela apenas mexia os olhos acompanhando tudo que se passava naquela enfermaria, mas sem coragem nem ânimo para afirmar uma existência feliz.

A doença arrancou-lhe o dinheiro, a energia, as emoções,  mas o pior mesmo era a solidão que pesava bastante naquele momento. Gostaria de ter alguém ao seu lado nessa hora tão difícil, lembrou-se o quanto buscou um companheiro nas festas da alta sociedade, nas cafeterias, nos clubes, na igreja e em todos os lugares em que se concentravam os “bons partidos”. Mas mesmo tendo procurado arduamente jamais encontrou alguém a sua altura, alguém que lhe preenchesse por completo. Um dia resolveu cessar a busca e aceitar seu destino solitário, seguiu a vida desacreditada de que um dia pudesse encontrar o amor verdadeiro e passou a se guiar por novos objetivos.

Sendo assim, resolveu concentrar o foco na carreira profissional, estudou bastante e dirigiu diversas pesquisas na sua área, apresentou trabalhos científicos pelo mundo afora e ganhou destaque internacional. Tentou encontrar a felicidade no trabalho, preenchendo com prestígio e status o imenso vazio que sentia no coração. A despeito de todo sucesso, hoje se encontra solitária numa maca de hospital, doente. Alcançou grande renome profissional, escondeu dos outros o vazio existencial atrás de uma cortina de status social, mas no seu íntimo sofria e tinha consciência de que sem amor jamais seria plenamente realizada. Com o passar dos anos acabou somatizando as carências afetivas as quais se acumularam e passaram a danificar o organismo através de mecanismos de negligência com a própria saúde e auto-destruição; a doença emocional converteu-se, então, em doença orgânica.

E o destino, irônico como só ele, reservou-lhe nesse momento uma grande surpresa. Quando o curso da vida parecia caminhar inerente rumo a um desfecho de abandono de si mesma, sem remédio ou solução a vista, eis que o amor resolveu se apresentar através de um par de olhos verdes. De tão abatida e desacreditada que se encontrava ela nem percebeu o coração acelerar diante da aproximação do amigo, mas foi agraciada com visitas e mais visitas, cheias de sorriso e encanto, palavras de conforto, apoio, tudo que precisava, enfim. O suor frio escorria pela testa e um leve desconforto tomava conta do seu corpo provocando-lhe a fala e por consequência fazendo com que se sentisse viva outra vez. O amor tem esse poder de ressuscitar as pessoas.

Depois de algumas visitas dele foi que ela se deu conta que estava apaixonada, que sentia o amor pela primeira vez correndo em seu corpo. E o melhor de tudo, sabia que era recíproco. Apesar de não compreender como alguém poderia amá-la naquela situação, sem saúde, sem beleza, sem perspectivas das mais generosas, ela encarou com um pouco de medo a situação e se entregou. A princípio nem pôde acreditar que depois de tanto tempo tendo desistido de amar o amor resolvesse aparecer na hora mais improvável, foi pega de surpresa. Porém, sentiu através daquele olhar um poço de amor que transbordou e atingiu em cheio seu coração, de imediato não pôde negar a natureza pura daquele sentimento. Desde então, a esperança renasceu e a fez superar a doença, permitindo que se tornasse uma pessoa completa e feliz ao lado de seu companheiro.

Não adianta perseguir o amor, pois ele não tem dia nem local pra acontecer, assim como não tem compromisso algum com a razão ou a lógica desse mundo. Ele vive a espreitar qualquer um que esteja descuidado, afinal grandes surpresas nos acontecem quando menos esperamos, do contrário jamais seriam surpresas.

[Mente Hiperativa]

domingo, 12 de maio de 2013

Sutilezas do amor


Sutilezas do amor

Existe uma notável diferença
entre ser amado e sentir-se amado.
Às vezes o amor parte de um coração
e não consegue atingir o outro.

[Mente Hiperativa]

domingo, 7 de abril de 2013

A vida e a angústia de seu eterno nascer


A vida e a angústia de seu eterno nascer

O nascimento é a primeira situação traumática que enfrentamos na vida, de repente abandonamos o abrigo quente e protegido que é o ventre materno; às vezes somos até arrancados de lá pelas mãos do médico ou através do fórceps. Mas será que estávamos preparados pra nascer? Será que realmente desejávamos abandonar nosso casulo confortável e encarar as dificuldades do mundo lá fora?
Pouco importam as respostas dessas perguntas, pois não fomos consultados em nossa vontade, quando chega a hora não há escolha senão nascer.

O parto é assim,  um ato violento que por algum tempo nos causa enorme choque e sofrimento: falta de ar, frio intenso, luzes fortes, injeções, manipulações, manobras e todo tipo de estresse. Certamente a saída do útero não é um dos momentos mais agradáveis que se tem, é uma passagem muito forte e angustiante que coloca o recém nascido num sofrimento inevitável. Diante disso, um bebê tão vulnerável nada pode fazer a não ser chorar bem forte, e eis que a natureza mostra sua sabedoria, pois é exatamente esse choro que lhe garante impulso pra respirar e o mantém vivo nesse novo mundo. Daí em diante o organismo vai se ajustando aos poucos, tudo vai se tornando adequado até que o novo ambiente pareça mais ameno e receptivo. É apenas o começo de uma vida repleta de nascimentos.

Estendendo o conceito de nascimento aos diversos desafios a que somos submetidos ao longo da vida, como entrada de novos ciclos, tomada de grandes decisões, reviravoltas, superações, avaliações, além de inúmeras outras situações difíceis e inadiáveis, todos eles são iniciados por novos partos, sofríveis e passageiros; muitas vezes inadiáveis. Talvez nesses momentos decisivos nós resgatemos inconscientemente toda dor e sufoco que foi naquele primeiro dia de vida extra-uterina, também a sensação de impotência,  incapacidade e vulnerabilidade que foi vivenciada naquele momento. Assim, diante de novos e grandes desafios (verdadeiros nascimentos) muitas vezes não conseguimos enxergar nada a fazer a não ser chorar, como se o choro pudesse novamente nos dar a força que precisamos pra nos mantermos vivos. E depois de um breve sufoco tudo se normaliza, nascemos de novo e seguimos a vida com novas descobertas num mundo repleto de novidades. Até que venha o próximo nascimento, e com ele a dor do parto.

[Mente Hiperativa]

domingo, 31 de março de 2013

Maçã do Amor



Maçã do Amor

O jogo da sedução
É um jogo arriscado
Apostas só na atração
Vem amor misturado

[Mente Hiperativa]

quarta-feira, 27 de março de 2013

Amor de uma noite só


Amor de uma noite só



A noite parece tão segura
Vive-se um amor que
Até o sol raiar ainda dura

[Mente Hiperativa]

terça-feira, 5 de março de 2013

O incrível passeio por Saturno


O incrível passeio por Saturno
Para reler o que eu já falei de Saturno clique aqui.


É reconfortante voltar a Saturno e perceber que tudo permanece da mesma forma. As pessoas continuam andando com os cabelos desgrenhados, mas não é por desleixo, é que lá ainda não se vende chapinha, nem mesmo shampoos revolucionários 3 em 1, fortalecidos com vitaminas B5. E tudo indica que jamais terá dessas coisas em Saturno, pois lá ninguém esconde a verdadeira essência às custas de caros e exaustivos tratamentos de “beleza”. Eles fazem questão de manter o visual assim, ao natural, como uma forma de transparecer cada uma de suas peculiaridades, sem se preocupar com padrões bobos e estereótipos carentes de autenticidade. Em Saturno, dizem que se você tiver um olhar atento poderá reconhecer todos os defeitos e qualidades das pessoas, está tudo declarado nas nuances de sua aparência física, reflexo do que se passa em suas almas. Lá ninguém esconde o que é de verdade, não há maquiagem que mascare o caráter ou roupa que cubra as culpas, as pessoas são o que são e não usam o corpo como escudo da alma.

Na noite passada eu viajei pra Saturno, era noite na Terra, mas lá não era noite, nem dia, não há sol ou lua em Saturno, nem tempo, os relógios lá não têm números, apenas a seguinte frase: TANTO FAZ. O ponteiro não é reto, nem tortuoso como se poderia imaginar, ele é composto de inúmeros pontos difusos que se moldam a todo instante e reproduzem o estado de espírito do momento. Os relógios em Saturno são incapazes de se manifestar através de números, lá a hora é um sentimento que se passa naquele instante, não é um valor. Valores são cartesianos demais e não combinam com a aura de Saturno, que é atemporal e excessivamente sensorial para sustentar grandezas tão exatas e humanas. Em Saturno não precisamos ser humanos, nem temos que nos preocupar com horário ou medição das coisas. Tudo acontece em Saturno e ninguém precisa se enganar achando que detém o controle dos fatos.

Acordei convicto de que quero me mudar pra Saturno o mais rápido possível, mas é besteira minha, pois sei que jamais seria aceito levando na bagagem convicções tão fortes quanto essa, são imbatíveis demais e seu peso afundaria no solo de Saturno. E, pensando bem, certezas não combinam com o dia-a-dia de lá, talvez até pudessem cair bem num domingo à tarde ou feriado, mas não há datas em Saturno, nem dias, de modo que as certezas não precisam ser usadas e não têm qualquer virtude por lá. Sendo assim, preciso me preparar para a mudança de endereço, tenho que me conectar com o novo mundo e sua realidade leve e bem menos audaciosa que essa em que vivemos. Vou começar descartando minha rigidez e meus falsos-controles, além disso, não devo ter pressa de morar em Saturno, ele não é lugar de gente apressada.

Já contei sobre as ostras que tem nos mares de Saturno? Nem mesmo esses crustáceos apáticos e insípidos são tão lacônicos em Saturno, no interior de suas conchas aparentemente herméticas as ostras elaboram belas canções que são disparadas dentro de borbulhas as quais sobem à superfície de maneira parecida ao que ocorre numa tulipa cheia de champagne. E logo se forma uma espuma musical que vai brotando do líquido em direção ao ar, se traduzindo nas mais belas serenatas que se pode apreciar em Saturno. Mas lembre que não há noite em Saturno, nem escuridão, ou seja, não precisamos esperar o luar pra poder ouvir tais canções, elas podem ser apreciadas a qualquer momento, basta tapar os ouvidos e sentir o som penetrar diretamente pela alma.

Outra coisa que gosto em Saturno são as crianças, e como são abundantes por lá; parece até que a infância corre mais lenta, com pernas curtas. Lá as crianças não pensam na morte, não há morte, lembra? Quando se sentem humilhadas na escola, quando lhe negam a sobremesa ou quando ficam de castigo no quarto, elas não sentem uma dor forte no peito ou sensação de estranheza no mundo. Todas as crianças têm uma mini-cidade no seu quarto, reproduzida em maquete, elas mesmas as constroem e quando querem viajam por entre as ruelas estreitas do seu brinquedo pessoal. É a hora da abstração, tornam-se pequenas, minúsculas, passeando naquelas maquetes, mas tão pequenas que nem mesmo os sentimentos ruins cabem-lhes no coração. As crianças de Saturno não sofrem, jamais.

Visitei também uma fazenda de sonhos onde enormes pedras ancoram nuvens brancas que pairam no ar, aguardando o momento de serem libertadas. Li numa placa azul que as nuvens são os sonhos e por entre os seus flocos eu pude até enxergar nuances dos seus desejos. E cada vez que um sonho se realiza uma criança corre para desatar a corda que o prende ao solo, permitindo que ele voe longe e leve, até perder-se de vista. Tive oportunidade de assistir essa cena, o sorriso da criança parecia não encontrar lugar naquele planeta no momento em que a nuvem se espalhou pela realidade ao nosso redor.

Conheci uma pessoa em Saturno, não era homem, tampouco mulher, lá não há essa definição grosseira de gênero, não há feminilidades, nem masculinidades, são todos semelhantes e diferentes de tudo que estamos acostumados a ver aqui na Terra. E essa pessoa me conduziu por uma jornada ao corpo, meu novo corpo que usei enquanto estive por lá. Tive que aprender a sentir-me de outra forma, pois os sentidos não funcionam como aqui, a boca não é só sabor, o cheiro não é percebido apenas pelo nariz, o tato é tão forte que somos capazes de sentir além da pele, sentimos o sangue correndo pelos vasos, a energia que carregam em meio ao ferro de suas hemoglobinas. Foi uma experiência única, sinestésica, que tenho certeza jamais experimentar noutro planeta que não seja Saturno.

Havia uma praça onde pratiquei Le parkour ouvindo música, tocou desde o melhor da Bossa nova até Elvis Presley, passando por Caetano Veloso, Beatles, Raulzito e o grande Bob Marley. Depois passeei de mãos dadas com Martin Luther King, Marylin Monroe e D Maria I, a louca, que até me ajudou a atravessar a rua. Também encontrei com o Jorge que mora no segundo andar do meu prédio, mas não fala comigo, e aquele senhor que me vendia cachorro quente na escola, mas não sei o nome dele. Depois todos nós rodamos numa enorme ciranda e caímos tontos quando as árvores da praça nos abraçaram com suas copas enormes. Nessa mesma hora, as raízes nos entrelaçaram e dos seus galhos partiram cordões etéreos que prendiam Tsurus na outra ponta. E então estávamos todos conectados, as árvores, eu, Caetano, D Maria I, o tio do cachorro-quente, os pássaros, as raízes, o chão, Martin Luther King...

Eram mil pássaros dançando ao sabor das ondas de vento que remexiam também o vestido da Marilyn Monroe. Nessa hora de intensa comunhão a atmosfera se encheu de cor e amor, não pude ver nada que aconteceu depois disso, mas senti. A sensação era como se tivesse imerso numa piscina de água morna, só que a água não entrava pelo ouvido e nem me tirava a capacidade de respirar. Ouvi uma canção distante e abafada, um acalanto mágico que me acalmou e não me deixou experimentar do medo, senti-me protegido. Lembrei-me da lenda Japonesa dos Tsurus, senti que algum pedido havia sido atendido e que algum milagre aconteceria logo, mas eu não sabia o que seria. De repente abri os olhos e estava de volta, mas a realidade que me esperava era diferente daquela que deixei antes de partir pra Saturno. O novo me aguardava por aqui.

[Mente Hiperativa]

segunda-feira, 4 de março de 2013

Fábrica de sonhos



Fábrica de sonhos

Quando alguém me pergunta o que é o sonho respondo que é o alimento da alma, a força motriz da vida, o combustível que nos permite lutar, a razão de continuarmos e não desistirmos de tudo. Além disso, é importante compreender que os sonhos são necessariamente coletivos, por mais que julguemos como um projeto pessoal, ele nunca será realizado por uma única pessoa, nunca.

Para construir um sonho é preciso senti-lo tomando forma na nossa mente, ele vai crescendo aos poucos ou chega pronto de uma vez só, depois acaba se estabelecendo em algum lugar do nosso coração e passa a nos acompanhar em todas as tarefas cotidianas. É tão bonito e puro, o sonho, e quando devidamente alimentado se torna um importante modificador da realidade, na medida em que transforma não só a vida de quem o elaborou, mas de tantas outras pessoas. Os sonhos são poderosos e imprevisíveis, capazes de causar um bem maior do que esperávamos ou poderíamos imaginar.

Guardo diversos sonhos no meu coração e mente, me empenho para poder realizá-los e assim usufruir o bem que proporcionam. Porém acho poucos os meus sonhos, quero também poder contribuir para os sonhos alheios. Aprendi com a vida que pessoas boas encaram seus sonhos em primeiro plano, ficam felizes e realizadas em poder concretizá-los; pessoas despertas enxergam que os sonhos não têm donos, tampouco são apreensíveis.

E no fim das contas os sonhos não são mesmo individuais, são complementares, de modo que num momento ou noutro acabam se confundindo numa enorme teia sem começo nem fim. Ajudar na realização do sonho do outro é ajudar a si mesmo, é ajudar a terceiros, quartos e quintos; é ajudar a todos, pois qualquer sonho é sempre de todos nós.

[Mente Hiperativa]

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Reclame menos, aja mais!



Reclame menos, aja mais!

Pare de reclamar sem fazer nada. Abandone o conforto da sua poltrona, largue mão do ambiente calmo e climatizado em que se encontra nesse momento, deixe de lado essa coca-cola gelada, desligue a televisão – essa fonte inesgotável de lixo e estupidez – e encare os seus problemas de frente. Mude o mundo, ou pelo menos faça sua parte e dê a ele condições para que possa mudar. Quebre suas convicções em mil pedaços, destrua tudo aquilo que te inquieta e te faz mal. Reconheça sua parte de culpa, se esforce pra acabar com tudo aquilo que lhe confere esse péssimo ar mal-humorado, facilmente observável em cada uma de suas linhas de expressão.

Não espere que o mundo vá mudar sozinho numa única e grande revolução, muito menos que essa reviravolta ocorrerá de forma alheia ao seu esforço. A paz não cairá do céu como caem as grandes chuvas, pois tempestades são compostas de inúmeras e pequenas gotinhas de água que se somam até atingir enorme dimensão. Sendo assim, para provocar uma grande revolução precisarás de inúmeras pequenas atitudes, exercitadas diariamente e de forma disciplinada. Esse é o segredo.

Sendo assim, encare o fato de que suas palavras de reprovação e desgosto jamais poderão alterar o rumo das coisas, discurso sem ação nunca terá o poder de reconfigurar a realidade. Levante-se e vá à luta, se entregue às dificuldades e sinta na pele a dor daquilo que lhe incomoda. Faça alguma coisa, a vida não tem controle remoto para que permaneças aí sentado a reclamar e reclamar, esperando que as coisas mudem por si só. É preciso deixar de alimentar ciclos viciosos que nos impedem de crescer. Rompa com eles, mude de postura, enfrente as situações com sabedoria e bravura, dê a cara à tapa.

Primeiro reconheça os padrões repetitivos que te colocam estagnado nesse desconfortável local onde você se encontra agora. Investigue o que te leva a ficar preso e imóvel. Em seguida enumere uma série de posturas que poderão te tirar dessa, crie planos, metas e sobretudo coloque-os em prática. Se diante de determinada problema você cala, grite; se costuma gritar, então cale. Nunca teremos novos resultados usando os mesmos métodos. E se os fins não foram satisfatórios não hesite em tentar uma abordagem diferente. Faça o que for, só não fique esperado que o universo conspire a seu favor sem que você empenhe o menor esforço.

[Mente Hiperativa]

Provações



Provações

Sorrir, apesar da tristeza
Lutar, apesar da dificuldade
Amar, apesar da dor
Insistir, apesar do desprezo
Continuar, devido à fé

[Mente Hiperativa]

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Eu amo outro homem


Eu amo outro homem


Determinado dia um amigo chegou para o grupo e disse: “quero dormir com dois homens”. Todos ficaram perplexos, abismados, nunca imaginaram ouvir tais palavras saindo da boca dele, logo da boca DELE. Ninguém sabia exatamente o que fazer, alguns riram, outros caçoaram, a maioria recebeu a declaração com imenso espanto. Eu encarei com naturalidade, afinal sabia que ele tinha dois filhos e imediatamente deduzi que podiam ser eles os homens referidos na conversa; não concebi a ideia com olhos maldosos e inquisidores como os outros

E logo em seguida, o amigo confirmou minha suspeita ao confessar que os homens em questão eram de fato seus dois filhos, levando todos a caírem na gargalhada, completamente desarmados diante de tão natural e incondenável declaração de amor. E se não fossem os filhos, mas outros dois homens quaisquer, teria ele o direito de amar e expressar esse amor? Homens podem se amar?

Infelizmente a questão do amor masculino ainda é bastante negligenciada por todos nós, os homens aprendem desde cedo que não podem chorar, são treinados exaustivamente para não evidenciar suas fraquezas, recebem cobranças exageradas para que sejam sempre fortes, imponentes, brutos e racionais. Também não lhes dão o direito de poder amar ou extravasar seu amor por outro homem, ainda que seja um familiar ou amigo de infância, pode ser até um desconhecido que acabou de salvar-lhe a vida, mas o homem é orientado a nunca dizer que o ama ou será eterno motivo de piada.

Então, esses são os valores que a sociedade nos impõe, porém o amor não reconhece qualquer um desses impedimentos e pulsa dentro de nós a todo instante, ignorando qualquer empecilho para sua realização. O amor é inerente ao gênero e no caso específico de dois homens ele acaba por se disfarçar através da atenção, chamadas telefônicas, abraços tímidos e distanciados, apertos de mão firmes e sustentos. Até mesmo um convite pra beber e colocar o papo em dia pode ser uma forma discreta e socialmente aceita de um homem dizer pra outro “gosto de você, sua companhia é boa pra mim” ou “preciso de você por perto, meu amigo, te amo”.

Dificilmente o amor entre homens se fará através de declarações mais ousadas e intensas, evitamos a todo custo mostrar explicitamente nosso amor por receio de gerar algum desconforto ou má-interpretação de nossa virilidade. Temos medo de infringir as regras aprendidas logo na infância – que a essa altura já se encontram solidificadas em nossas mentes – e então sufocamos o ‘eu te amo’ fingindo que apenas gostamos do outro homem como quem gosta de um copo de cerveja ou de um vídeo game de última geração. Encaramos como algo natural e morno que não precisa ser admitido ou negado, o amor entre homens é sempre desconversado.

Isso tudo acontece pelo simples fato de que o ‘eu te amo’ dirigido a outro homem nos coloca numa situação complicada de ter que negar tudo que foi aprendido desde a infância e reforçado ao longo da vida. Além disso, muitas vezes essa declaração pode lhe render algum questionamento de gênero ou até conduta sexual, o que é algo completamente descabido. O amor fraterno, puro e inocente não reconhece qualquer impedimento para se manifestar, nós é que por pura insegurança ponderamos e ajustamos socialmente as proporções evidentes que esse sentimento pode atingir diante dos olhares da sociedade. Em outras palavras, sentimos o amor dentro de nós, no entanto temos o devido cuidado para que ele não pareça destoante do pensamento da maioria.

Diante disso tudo afirmo sem medo algum que amo outro homem. Aliás, amo vários homens. Inclusive todas as noites eu durmo com outro homem no meu quarto, meu irmão mais velho. Há outro homem com o qual faço sexo casual e todo dia lhe digo as seguintes palavras “eu te amo, seu gostoso”, esse homem sou eu mesmo e as declarações faço diante do espelho toda manhã. Tem outro homem que vem passar os fins de semana comigo, faço comida pra ele, dou-lhe banho, coloco-o pra dormir, faço carinho e encho-o de beijo, é o meu irmão caçula. Além desses, há tantos outros homens que fazem parte da minha história, me presenteiam com momentos de companhia, conversa e apoio, são meus amigos que tanto amo e não tenho problema algum em apertar suas mãos com firmeza ou abraçá-los.

Acredito que meu amigo tenha sido bastante perspicaz ao desafiar os outros com sua declaração de que gostaria de dormir com dois homens sem dizer de imediato que seriam eles os seus dois filhos. Sem dúvida alguma ele foi inteligente e soube aguçar a imaginação alheia, causando-lhes um espanto desmedido. Homens também amam, choram, sofrem por amor, se abraçam e manifestam sentimentos. O amor entre homens é assim, cheio de mitos e ao mesmo tempo tão simples. Tenho a consciência de que o amor é o único caminho que Deus nos ensinou pra alcançá-lo e ele não é feio, sujo ou vedado aos homens. Sendo assim, não precisamos ter vergonha de amar, pois o homem que ama outro homem ama a si mesmo. Eu amo outros homens, eu me amo, e isso não é problema pra quem tem consciência e segurança de sua masculinidade.

[Mente Hiperativa]

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A bênção do mar



A bênção do mar
O dia havia sido bastante difícil, repleto de problemas e más-notícias. Sendo assim, tentei fazer algo que me trouxesse um pouco de prazer em meio a tantas mazelas, precisava arejar as idéias e amenizar a dureza da vida. Senti necessidade de me sintonizar com alguma fonte de energia positiva e nada melhor que o vento salgado do mar, sua imensidão azul, pra confortar e encher de paz a minha alma perturbada. Era fim de tarde, o sol se punha de modo que seus raios oblíquos cruzavam os prédios enormes enfileirados à beira-mar, permitindo a formação de uma cortina de luz a qual tocava levemente a areia fina da praia. Preguiçosamente ele se escondia ao mesmo tempo em que enchia o céu de tons amarelos e alaranjados, criando assim uma pintura impressionista que tornava meu passeio ainda mais relaxante.

Atravessei rapidamente a avenida que divide o paredão de prédios e a praia, sem qualquer cerimônia fui logo tirando os chinelos dos pés pra poder apreciar os farelos de areia entrando por entre os dedos, também queria sentir a textura dos sargaços roxos e verdes que morriam encharcados na areia formando verdadeiros tapetes naturais tão gostosos de pisar. Havia alguns poucos siris mortos no meio das algas, o que juntava muitas moscas daquelas bem miúdas que só se vê em praia mesmo. Saí tateando com os pés cada concha que surgia pelo caminho, também as pedras, tocos de madeira e restos de corais que as ondas resgatavam do fundo do mar, queria me apropriar de cada centímetro daquela praia como se estivesse fazendo uma leitura em braile com os pés. Caravelas minúsculas e aparentemente inofensivas repousavam na areia, mortas ou quase mortas; e cada vez que encontrava uma delas o meu dedão insistia em estourá-las dando-lhes um certeiro golpe de misericórdia.

Avistei muitas pessoas pelo caminho, algumas passeavam sozinhas refletindo sobre a vida, outros cantavam canções em baixo tom, corriam, ou apenas contemplavam o espetáculo da natureza que era aquela bela paisagem incrustada no meio urbano. Eram raras as moças de biquíni àquela hora, também vi alguns casais abraçados ou de mãos dadas, outros permaneciam sentados na areia namorando timidamente. Estes ao certo esperavam que o sol fosse embora de vez para que pudessem se esconder melhor dos olhares famintos e moralistas. Diversas crianças corriam sabe-se lá pra onde, serelepes que são. Nem mesmo elas sabem pra onde querem ir, mas ainda assim correm e correm. Havia uma menina chamada Cíntia cuja mãe gritava aflita pelo seu nome. Cíntia corria distante, usava um maiô cor-de-rosa da hello kitty, segurava pá e balde nas mãos, mas quando ouviu as súplicas da mãe logo desacelerou o passo enquanto soltava uma gargalhada gostosa de ouvir. Seus cabelos eram longos e cacheados, aloirados, e dançavam no vento como dançavam as folhas dos coqueiros. Cíntia parecia ter três anos e ainda muita vida pela frente.

A certa altura da praia parei um pouco pra admirar o mar, se fosse fumante certamente essa seria a hora de sacar um cigarro, mas como não sou, traguei mesmo a brisa marítima. Aproveitei pra jogar na lixeira alguns palitos, tampas e cacos de vidro que havia catado pelo caminho e guardado no bolso. Em seguida, sentei pouco mais adiante na areia fofa e alva pra contemplar o azul, queria mergulhar nas águas do mar, mas preferi avaliá-las antes. Além disso, percebi algumas pessoas em volta e tive um pouco de vergonha. Havia uma senhora sentada a alguns metros atrás de mim num barco qualquer encalhado na areia e parecia me observar. Ela usava um longo vestido estampado, tinha claras feições indígenas e mantinha-se de braços cruzados, não sei se sentia frio ou se era pura indiferença.

Logo depois que sentei chegou também um senhor e parou a certa distância, parecia turista, um “gringo” como chamam. Ele ostentava um olhar sério e expressão envelhecida, era calvo e suas bochechas estavam bastante avermelhadas. O gringo tirou a camisa e pôs à mostra sua enorme barriga proeminente que quase encobria a sunga azul-marinho que usava. Largando a roupa no chão ele caminhou vagarosamente em direção ao mar e aos poucos foi se perdendo em sua imensidão. Dentro d’água ele parecia sentir-se em casa, nadava e fazia estripulias como um golfinho, parecia se deliciar na água morna e azulada daquele marzão tropical. Aproveitei o embalo e criei coragem pra entrar na água também.

Tirei a roupa e fiquei apenas de sunga, dobrei a camisa e a bermuda com cuidado e coloquei tudo no chão, em cima do meu chinelo. Com cautela me aproximei do mar, tão vasto, e fui penetrando aos poucos em seu domínio imprevisível. Pensei nos tubarões que poderiam surgir, mas quando aparecem é somente na região mais profunda, por isso me restringi a ficar na parte rasa. Apesar de jamais ter tido contato com um tubarão tenho muito medo deles, sobretudo de suas bocarras repleta de dentes afiados e pontiagudos prontos pra dilacerar minha carne. A água não estava muito agitada, no entanto as ondas me derrubaram algumas vezes e aproveitei pra dar alguns mergulhos.

Por sorte, ou excesso de cautela, não tive nenhum infeliz encontro com tubarões. Ainda dentro d’água, de vez em quando eu olhava em direção à areia apenas pra constatar que minhas roupas continuavam lá, visto que seria trágico se me levassem e eu tivesse que ir pra casa apenas trajando uma sunga listrada. A senhora que parecia uma índia permanecia sentada no barco encalhado como se esperasse alguém. Talvez só pensasse na vida. Próximo a ela pude observar uma placa que continha os seguintes dizeres: Perigo - área sujeita a ataque de tubarão / Danger – bathers in this área are at a greater than average risk of shark attack. Por via das dúvidas, e depois de ler essa mensagem de alerta, preferi voltar correndo pra terra firme e segura.

Rapidamente eu deixei as águas e sentei-me no chão sob o pretexto de esperar que o vento me secasse. Enquanto me coçava um pouco por conta do sal eu notei um casal próximo que me observava. A moça me pareceu um pouco familiar, no entanto não consegui reconhecer exatamente quem era e como não falou comigo preferi ficar quieto na minha. O rapaz que a acompanhava, provavelmente seu namorado, não aparentava gostar dos meus olhares a soslaio, porém seu olhar junto ao da moça também me incomodava.

Não demorei muito, me enxuguei com a camisa e me vesti, não queria demorar ali e o sol já estava indo embora, era hora de voltar pra casa. Sendo assim, tomei o percurso de volta. Andei pela praia observando atentamente cada detalhe do caminho. Encontrei um peixe da espécie baiacu ‘perdido’ na areia. A água do mar ia e vinha, mas não conseguia levá-lo de volta. Ele parecia um pouco inchado e seus espinhos intimidavam um contato mais próximo. No entanto, me aventurei a pegá-lo com cuidado, ele inchou ainda mais e quase me espeto com seus espinhos. Joguei-o na água um pouco mais adiante, não teve jeito, ele parecia incapaz de nadar e logo as ondas o trouxeram para a beira novamente. Ele tinha uma cor cinzenta tingida de bolas amarelas bem reluzentes. Era muito bonito, tinha a respiração ofegante e acho que estava morrendo. Fui embora sem poder intervir no destino dele, não pude fazer como fiz com as caravelas, tive que deixá-lo morrer lentamente.

Segui meu caminho num passo lento de quem não quer chegar no destino de casa e encontrei muitos jovens jogavam bola na areia da praia como se não houvesse nada pra fazer, nem trabalho, nem estudo, nem filhos ou outras preocupações. Mas pensando bem eles também merecem algum lazer e certamente qualquer problema ou responsabilidade poderia esperar um pouco enquanto se divertiam naquele fim de tarde. É interessante observar como o futebol tem essa capacidade de ocupar a mente e trabalhar o corpo, permitindo que uma simples bola traga tanta felicidade e ocupação. Todos se divertiam em meio a gritos, gargalhadas e rápidas passadas de bola, alguns poucos assistiam a partida sentados na areia. Havia um deitado e visivelmente cansado, talvez pouco acostumado ao exercício físico; outros o acompanhavam, possivelmente aguardando a vez de entrarem na partida.

Prossegui adiante, sempre me guiando pelos prédios altos e tão diversos, avistados por detrás dos montes de areia. Estava próximo de casa e o sol já estava distante, tão distante que seus raios não mais formavam mais aquela cortina de luz sobre a areia. Os postes de iluminação pública já haviam se acendido e a lua já ocupava seu trono no céu, embora as estrelas ainda estivessem apagadas. No calçadão pude avistar o enorme fluxo de pessoas caminhando e fazendo cooper, algumas bebiam água de coco no quiosque e a vida parecia fluir naturalmente como todo fim de tarde.

Atravessei a avenida novamente, dessa vez de encontro à fila indiana de prédios que se amontoam diante do mar. Gosto de analisar a arquitetura de cada um observando suas peculiaridades: alto, baixo, largo, estreito, moderno, clássico, arrojado, prático... São inúmeros prédios construídos em tempos diferentes, atendendo às mais variadas exigências de mercado, porém todos com o mesmo atrativo principal: são de frente para o mar. E foi por isso, salvo engano, que vim morar nessa parte da cidade, por conta do mar. Cheguei em casa, toquei o interfone da portaria do meu prédio e entrei assim que o portão abriu. Dei uma última olhada para o mar e por um instante lembrei o dia ruim que tive, mas tentei fazer algo que me acalmasse a mente ao mesmo tempo me trouxesse algum prazer. Sempre procuro o mar pra pensar na vida, mas nesse dia em específico foi o oposto que me levou até ele. Queria esquecer da vida.

[Mente Hiperativa]

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Não me importa


Não me importa

Pouco me importa a mancha amarronzada de lama que tinge a barra da minha calça jeans azul-marinho. Nem o pedaço de mortadela de frango sadia que está há cerca de cinco dias em cima do balcão da cozinha, dentro de um tapaware mal tampado e já produzindo um forte odor de podre. Nada disso me incomoda. O telefone toca várias e várias vezes, ignorando o fato que não lhe dou a mínima atenção, sequer ensaio qualquer movimento em seu sentido. Até gostaria de sacudi-lo janela abaixo, porém o estado em que me encontro não permite que me levante para executar árdua tarefa. Sendo assim, permaneço estirado no chão como uma barata inebriada por uma boa dose de inseticida em aerosol.

Na minha sala a poeira já formou uma colônia debaixo do sofá cor-de-mostarda e criou uma espécie de tapete sobre as pranchas de madeira que sustentam velhos porta-retratos cujas fotografias estão bastante desatualizadas. As janelas permanecem fechadas, assim como as cortinas, e o calor já não me incomoda mais. E há tanto papel amassado e outros dejetos no meu lixeiro que já trasbordam pra fora e se alastram pelo chão atingindo quase a porta. Com boa dose de ironia que ainda me resta, fico a imaginar se conseguirão cruzar a porta e ir embora sozinhos. Também pouco me importa se vão ou se ficam, se atraem baratas ou simplesmente enfeiam o espaço que habito. Que ainda habito.

As roupas no varal completam aniversário, até aquela camisa com listras azuis, verdes e pretas que tanto gosto e que meu irmão sempre pediu emprestada mas nunca dei. Até mesmo ela está há semanas estendida, recebendo os afagos diários da brisa salgada do mar. No momento estou com preguiça de recolhê-las, minha única preocupação agora é conseguir abrir um pacote de bolacha maisena e comê-lo com margarina enquanto zapeio os canais da televisão, mesmo sabendo que nada, absolutamente nada, poderá despertar meu interesse. É uma pena que o aparelho de DVD esteja quebrado senão poderia assistir um filme. Além disso, a máquina de lavar roupa também está quebrada.

Talvez depois de comer algumas bolachas eu jogue o restante do pacote no chão ou coloque-o sobre a mesa de centro e descanse um sono ali mesmo estendido no chão frio, com a cabeça recostada sobre alguma das almofadas empoeiradas e de extremo mal gosto que ganhei de presente da minha tia no natal passado. Bem que eu gostaria de tê-las recusado no ato, mas preferi não cometer tamanha desfeita. Pois bem, preciso dormir, depois de um bom sono eu sei que tudo ficará melhor. É sempre assim, sempre exatamente assim.

Com um pouco de sorte e após uns trinta minutos de espera, minhas pálpebras começam a pesar e então percebo que o remédio já vem fazendo efeito, tento lutar, mas acabo me entregando ao sono reconfortante e quimicamente induzido. Na TV, a apresentadora do noticiário anuncia a previsão do tempo, que pouco me importa, faça chuva ou faça sol, não vai mudar a minha vida. A imagem começa a ficar embaçada, ouço alguma coisa sobre guerras ou crises mundiais, calamidade nacional, o som começa a ficar disforme, affaires dos famosos, recém-descoberta do papel medicinal da geléia real no tratamento do câncer, acho que foi essa a última notícia que consegui ouvir antes de apagar de vez.

Pouco me importa se foi geléia real, câncer de mama ou laringe, cavaleiro das trevas ou renúncia do papa. Qualquer coisa pra mim não faria diferença naquele momento, eu gostaria mesmo é que o mundo inteiro explodisse com uma bomba atômica ou um meteoro inesperado. Eu precisava apenas dormir pra não ter que digerir o imenso mal que me foi causado. Pouco me importaria se a raça humana fosse dizimada durante meu sono plácido, assim como acabaram com os dinossauros e eu nunca senti a menor falta deles. Já não ouvia o som da TV, mas ainda pude sentir o cheiro de presunto podre que vinha da cozinha. Ou seria mortadela? A essa altura eu já não sabia nem o nome da minha mãe, o número do meu RG, quanto mais o tipo de embutido que fedia em meio a tantos problemas na minha cabeça.

O mundo parecia o caos, minha vida também. Mas pouco me importa, afinal quando não se tem amor nada é capaz de nos abalar.

[Mente Hiperativa]