sábado, 16 de julho de 2011

O garoto brilhante


O garoto brilhante

Espero que tenham paciência de ler até o fim, é um pouco da minha história.

Aquele garoto não era normal, não era como os outros garotos da sua idade, não tinha os mesmos gostos, hábitos, rotinas e pensamentos que eles. Desde criança ele nunca gostou de jogar futebol -o que o tornava um ET diante dos amigos- e nas aulas de educação física do colégio ele sempre ficava na arquibancada observando a dinâmica da turma ou arrumando um jeito de 'perambular' pelos arredores da quadra de esportes, não gostava de participar das atividades coletivas.

Como já disse, seu comportamento não andava alinhado aos demais, enquanto seus colegas se divertiam jogando bolinha de gude ele procurava insetos no jardim, enquanto colecionavam álbum de figurinhas ele observava as conversas/conflitos familiares, e quando jogavam video game ele se colocava na janela do quarto a observar as estrelas no céu, nem fazia questão de disputar o game. Por essas e por outras, por não ser compreendido pelos garotos da sua idade, muitas vezes ele preferia estar no meio dos adultos; e de tanto seus colegas o encararem como um ET, às vezes até ele mesmo se questionava se era mesmo desse planeta.

Se havia um lugar que o tal garoto se sentia completamente desconcertado, deslocado, esse lugar era o colégio. Lá os garotos faziam tudo que ele não gostava de fazer, jogavam bola, conversavam, trocavam figurinhas do álbum, zoavam com os garotos da sala... E no recreio, hoje chamado de intervalo, ele ficava na biblioteca lendo um livro ou um gibi qualquer enquanto as outras crianças se divertiam no pátio, perdendo seu tempo com brincadeiras babacas, segundo ele julgava. Por muito tempo ele foi uma criança extremamente tímida e fechada, que tinha bastante dificuldade de se relacionar e fazer amigos. Além disso, desde cedo ele sabia que era diferente, ele sentia isso, porém não sabia o porquê de ser assim e muito menos o que fazer pra administrar essa questão.

Certa vez, aos 7 anos, ele fez um simples cartão numa aula de artes e entregou à professora, que era sua favorita; a dita cuja quase desmaiou de tanta emoção. Os anos se passaram e cada vez que ela o encontrava pelos corredores da escola fazia a maior festa pra aquele garoto, ele jamais entendeu porque ela ficou tão surpresa com uma simples homenagem, afinal pra ele era algo tão cotidiano, sua mãe recebia dezenas de cartões seus, e também desenhos, cartinhas e etc... Mas parece que antes dele jamais algum aluno havia prestado uma homenagem tão sincera e espontânea como aquela.

Quando ainda tinha uns 10 anos o garoto conheceu uma pessoa que foi bastante importante na sua vida, ela seria a primeira pessoa a abrir seus olhos e explicar um pouco do que estava acontecendo na sua cabeça. Fátima tinha seus 30 anos, simpática e falante, logo se afeiçoou ao garoto e ambos adoravam conversar, a despeito da diferença de idade.

Fátima reconheceu algo de especial naquele garoto, talvez tenha sentido sua aura ou notado um brilho diferente no seu olhar, mas isso pouco importa agora pois o fato é que ela tentou acalmar a sua tristeza, acabar com sua angústia, e explicar o motivo do seu sofrimento. Sendo assim, através de diversas conversas, ela explicou a ele que a razão desse sofrimento "sem sentido" residia no fato dele enxergar o mundo de uma forma distinta da maioria das pessoas, sua óptica não seguia o senso comum. Por isso ela afirmava, repetia, insistia para que ficasse gravado na mente daquela criança que ele deveria aprender a usar esse dom, que isso não era um defeito, e sim uma dádiva. Mas ele não entendia como uma dádiva poderia fazer alguém sofrer tanto.

Ela bem que tentou explicar a ele o seu poder de enxergar o que quase ninguém consegue ver, mas claro que na época ele não tinha o discernimento suficiente pra compreender tudo o que ela dizia, ele tinha apenas 10 anos. Mesmo assim o esforço dela não foi em vão, aquele foi apenas o primeiro recado que o garoto recebia na vida e mesmo sem ter entendido claramente, aquela mensagem ficou gravada, mais tarde o garoto encontraria outros amigos que relembrariam e reforçariam aquela conversa.

Assim ele se criou, sentindo-se diferente, às vezes sofrendo com isso, tentando ser normal, às vezes se isolando pra que não reconhecessem sua estranheza. Com o tempo acabou aceitando-se diferente, parou de tentar ser o que não é, e hoje administra o peso de ser uma pessoa excêntrica, incomum, subjetiva. Hoje, inclusive, o tal garoto não é mais tímido e cabisbaixo como era na infância, ele é seguro, comunicativo, possui uma capacidade extrema de cativar as pessoas ao seu redor, é amável, e sobretudo não tem medo de mostrar suas peculiaridades, não tem mais medo de ser encarado como ET ou estranho. Agora ele se permite ser ele mesmo, com todas as esquisitices que estão implicadas nessa afirmação.

Sendo assim, aquela criança enfim cresceu, tornou-se um homem, ingressou na universidade, e aí tudo mudou e ele passou a ser normal como os outros, certo? Errado. Ele tornou-se adulto sim, entretanto a realidade por vezes ainda lhe permanece confusa e dolorosa, mesmo agora ainda persiste a sensação de que as outras pessoas não conseguem acompanhar seus pensamentos, e vice-versa, ele ainda se sente deslocado nesse mundo. A maturidade certamente veio, o entendimento hoje é bem maior acerca das coisas, no entanto o garoto que hoje é um homem ainda não tem pleno domínio sobre suas capacidades, mesmo entendendo um pouco delas ele ainda não sabe utiliza-las ao máximo, não sabe dominá-las, e ainda sofre com isso.

De fato ele permanece seguindo a 'contra-lógica' da maioria, ele ainda fica admirando as estrelas na janela enquanto os amigos jogam video game, e disputam o troféu do jogo; mudaram os cenários e as brincadeiras, mudaram as estrelas do céu e o video game, mas ele continua com sua óptica diferenciada, e continua sem saber lidar perfeitamente com isso.

Na universidade, por exemplo, onde todos lutam pra obter a maior nota, o destaque, a mais alta posição no hancking, o prestígio dos professores, o reconhecimento dos pais, o diploma, a láurea... Ele não consegue seguir esse senso comum, pra ele nada disso faz sentido. Enquanto seus colegas imploram alguns décimos de acréscimo aos professores, se matam por uma prova de monitoria ou colam e sabotam avaliações, o tal garoto não sabe nem dizer a média que obteve em determinada matéria, pode perguntar que ele não saberá te responder. E não se trata de irresponsabilidade ou desorganização, ele simplesmente não se preocupa com esses pormenores, ele tem outra visão, ele elegeu outras prioridades que talvez os outros jamais entendam; pra ele a nota não passa de um número riscado no papel.

Sendo assim, muitas vezes as pessoas o tomam como relapso, aluado, e outros adjetivos menos generosos, mas ele não liga, não dá importância, primeiro porque sabe que não é verdade, e sabe também que as pessoas não dizem isso por mal, falam isso porque agem conforme o pensamento viciado e alienado que receberam, acreditam que os números traduzem o que somos, e que isso é muito importante; segundo por que ele tem amigos e desses amigos alguns, poucos deles, o compreendem.

Dentre esses 'poucos amigos' transparece nas suas conversas um entendimento semelhante ao de sua amiga Fátima. Certa vez o garoto se encontrava aflito, confuso e ao desabafar com esse amigo ele falou: "os gênios de hoje um dia foram considerados loucos e incompreendidos, só alcançaram o reconhecimento após anos e anos da publicação de suas obras". O garoto não resistiu e caiu na gargalhada, ele riu não por desacreditar da citação, mas porque achou inusitada a comparação de sua figura com um gênio do tipo Einstein, da Vinci ou Shakespeare, ele não se sente gênio, nem sua humildade permite que se enxergue como um deles um dia.

Esse amigo, chamado Felipe, lhe é muito importante, ele teve uma grande sensibildade em perceber o brilho do garoto, além disso sempre tentou abriu seus olhos acerca do seu enorme potencial. O garoto, que antes achava um problema enxergar o mundo de uma forma diferente, acabou entendendo que essa era a chave e a razão dele ser especial, e esse dom é que garantiria a ele o poder de fazer coisas diferentes. Felipe parece ter surgido na sua vida com o objetivo de reafirmar e complementar aquela lição que Fátima havia lhe passado há dez anos atrás, quando o garoto ainda era uma criança e por isso mesmo não havia captado a dimensão de suas palavras.

Hoje toda essa história ainda permanece um pouco nebulosa na cabeça dele, mas tudo fica cada dia mais claro à medida em que caminha pela vida e recebe sinais, encontra amigos que lhe dão a certeza de que está no caminho certo, árduo, mas certo.

Recentemente apareceu mais um amigo no caminho do garoto, mas dessa vez não foi alguém que sabia de sua trajetória, seus conflitos, sua intimidade, foi alguém inesperado, mas que mesmo assim demonstrou uma percepção imensa, uma capacidade de notar além do que os olhos podem ver.

O garoto foi fazer uma prova de recuperação de determinada matéria na universidade, mas seu desempenho havia sido tão ruim naquela prova que ele resolveu conversar com o professor, Petrus, logo após terminá-la. Ele perguntou quando seria a prova final, pois a sua recuperação havia sido tão ruim que certamente não recuperaria nada, e precisaria da última avaliação. O professor calmamente checou as notas do aluno em sua caderneta e, para a surpresa do garoto, disse que ele nem precisava ter vindo fazer a recuperação, e muito menos precisaria fazer prova final, já estava aprovado com as notas que tirou nas provas regulares. O garoto ficou envergonhado com tamanha falta de atenção, temeu até que o professor o achasse relapso, mas este novamente o surpreendeu ao se mostrar bastante compreenssivo, deixando o garoto à vontade pra conversar sobre suas aflições.

O garoto poderia ter checado suas notas antes de ir fazer a prova de recuperação, constatado que estava aprovado e nem ter ido à universidade, mas ele foi, não se sabe se foi uma manobra do destino ou uma conspiração do universo, o fato é que aluno e professor precisavam se encontrar e ter aquela conversa. Desse modo o garoto aproveitou a abertura do professor e então desabafou sua dificuldade em acompanhar a turma da faculdade, queixou-se do seu rendimento baixo, da sua falta de concentração, expôs como se sentia inferior, em termos acadêmicos, aos colegas, colocou tudo pra fora, todas as angústias acadêmicas.

O professor já havia percebido que aquele aluno era diferente da maioria, ele disse ao garoto que desde o começo do semestre havia percebido que, diferentemente dos outros, ele não estava ali na universidade pra tirar as melhores notas ou disputar com os colegas pelo melhor currículo, ele não se comparava aos outros no sentido de superá-los e ser "o melhor" de todos. O garoto ficou surpreso pois não esperava que alguém o compreendesse, não achava que alguém -ainda mais um professor- encarasse com naturalidade o fato dele não buscar com avidez as maiores notas e colocações, que não tivesse a ambição do destaque e dos prestígio acadêmicos. Era inusitado, mas logo um professor entendia seu ponto de vista. Será que ele também possuia uma óptica diferente da maioria?

Depois disso o professor contou-lhe uma breve história, um outro garoto que estudara no melhor colégio que existia na sua época, cujos pais foram chamados pois o filho não acompanhava a turma, não assimilava corretamente o que lhe era ensinado. Esse outro garoto demorou muito a escrever, ele parecia muito distraído, sua avó o enchia de mimos, consideravam-no retardado. Pois bem, sabe quem era o tal "retardado"? Gilberto Freyre, o próprio.

Com essa comparação inusitada -que lhe fez lembrar de Felipe, com seus gênios incompreendidos- o professor dirigiu-se ao aluno dizendo que ele era diferente, tinha uma percepção distinta daquele grupo de alunos, pensava em outras coisas, tinha outras preocupações, e que por isso ele não conseguia se adaptar ao modelo que era dado naquela universidade. De fato ele não conseguia se preocupar vorazmente com as notas e com o currículo em si, como os outros faziam, mas por outro lado tinha o poder de enxergar o que muitos não conseguem ver, preocupados com notas e números, diplomas e hancking, esquecem o essencial.

Por fim o professor disse ao garoto que ele não estava ali por acaso, que ele tem um belo trabalho pela frente e que com sua sensibilidade saberá tratar seus pacientes como nenhum outro, que todo o sofrimento pelo qual ele está passando e já passou não foram em vão, terão bastante serventia pra que ele possa entender o sofrimento de seus pacientes no futuro. Ele pediu que o garoto não se cobre tanto, e disse isso várias vezes, falou também que toda sua vivência lhe acrescentará um conhecimento que não se avalia com notas nem números, que sequer é ensinado em sala de aula.

O garoto abraçou o professor, o amigo, o mensageiro, e foi embora. Certamente ele não saiu daquela sala a mesma pessoa, possivelmente ele aprendeu bastante com aquela conversa, e com todas as outras que se antecederam, à cada dia esse garoto conhece um pouco mais de si, aprende um pouco mais sobre o que é capaz. E assim ele vai vivendo, esperando sinais, olhando o mundo da maneira que sabe, diferente da maioria, sim, mas nem por isso de uma forma errada ou digna de vergonha.

Hoje o tal garoto brilhante sabe que pode ser ele mesmo, e o é, sem medo, sem vergonha, ele está aprendendo a lidar com isso tudo, e saberá logo, logo, utilizar sua visão de mundo da melhor maneira possível.

[Mente Hiperativa]

5 comentários:

  1. E eu me sinto tão feliz por ter conhecido o tal garoto brilhante, que tem uma estória bem interessante, pensei que tinha lido um livro, rsrs, beijos, me senti em um de fato. Mas li com toda a empolgação como nos meus livros favoritos.

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  2. Belo relato! Ser diferente ou não, eis a questão.
    Continue caminhando, continue...
    Um abraço

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  3. E quem pode realmente ser considerado normal?.. Muito bom seu texto!

    Acabei chegando em seu blog através de blogs em comum.

    Deixo meu abraço e o desejo de um ótimo fds!

    Podendo venha conhecer o Alma- meu blog!

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  4. O menino brilhante já está no caminho que lhe pertence há tempos. E sua visão de mundo já está sendo compartilhada da melhor maneira, afinal de contas, todo esse esforço em criar posts de utilidade pública e que despertam a consciência alheia não são à toa, não é mesmo? O futuro já chegou e o seu brilho já está no meio de nós.

    Continue o bom trabalho!

    Nicole

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  5. Oi,MH!Valeu ter lido cada linha, cada palavra, eu me identifiquei muito com esse menino, sempre me senti assim também um pouco Et, um pouco diferente, por isso sempre me senti melhor conversando com pessoas mais velhas do que com as pesosas da minha idade,elas parecem ter melhor capacidade de nos entender.E realmente se preocupara ocm notas é algo pequeo demais,mas não saber as notas também é um pouco relapso demais,kkk.Mas tudo na vida tem uma razão de ser e se não fosse isso talvez aquela conversa nunca acontecesse.
    Depois desse texto te admiro ainda mais!
    Felicidades mil!
    Beijossss

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