segunda-feira, 18 de julho de 2011

Amor + dedicação = cura


Amor + dedicação = cura

Emocionante e verídica história de cura pelo amor que tive chance de conhecer de perto.

Sabe aqueles filmes que relatam uma história incrível de superação, que condensam uma vida inteira em apenas duas horas e meia? E aí quando o filme acaba nós levantamos da poltrona crentes de que tudo aquilo não passa de uma obra de ficção, que jamais poderia ter acontecido de verdade?

Pois há alguns dias eu tive a oportunidade de conhecer de perto uma história desse tipo, mas não era ficção, é verídica, cheia de emoção. Há quem diga que daria um belo filme, mas se virar filme ninguém vai acreditar que aconteceu de verdade... Vão pensar que foi fruto da mente fértil de algum cineasta, por isso é melhor que vire um livro, ou que simplesmente seja repassada através do boca-a-boca.

Fiquei sabendo da história de Gabriela e de sua mãe, Lucinha, porque elas foram se consultar com minha tia, que é médica otorrinolaringologista, e no meio da anamnese surgiu o relato de vida de Gabriela o qual impressionou minha tia, criando um elo, um laço, uma simpatia, uma admiração que logo se estendeu por toda a família, rapidamente elas se tornaram amigas e queridas por todos nós.

A trajetória de vida de cada uma delas, mãe e filha, se misturam a todo tempo de modo que fica difícil distinguir quando se conta a história de uma ou de outra, elas se entrelaçam, tornam-se uma só. O amor presente no coração das duas é que as une dessa forma, ele que transparece nas entrelinhas do conto, permeiam os fatos e ilustram a superação que cada uma delas conquistou ao longo dessa história conjunta. Uma apoiou a outra, ambas se seguraram e seguiram juntas o tempo todo, superando toda e qualquer expectativa, contrariando o senso comum, surpreendendo os indrédulos e céticos.

Lucinha teve três filhos, dentre eles Gabriela, a única menina, linda, loirinha, de olhos claros, mas que sempre foi muito quietinha, nunca deu trabalho algum. Desde cedo Lucinha notou que havia algo de diferente na sua filha, na escola ela não prestava atenção à aula, apenas observava o movimento cíclico da hélice do ventilador de teto, era capaz de ficar horas contemplando-a girar. Também não se sociabilizava com as outras crianças, não fazia amigos, não brincava, não interagia nem aprendia, e por isso repetiu várias e várias vezes de ano. Gabriela também não falava, tudo que desejava apontava com a mão da mãe, guiava a mesma até o objetivo que queria ter, usando sempre a mão de outra pessoa como instrumento ou extensão de si mesma.

Desde que percebeu o comportamento anômalo da filha, mais ou menos aos dois anos, Lucinha iniciou uma verdadeira peregrinação através de diversos médicos para tentar descobrir o que Gabriela tinha, sendo assim ela foi a diversos psiquiatras, psicólogos, terapeutas, fonoaudiatras, recebeu diversos laudos, pediram muitos exames, conversaram muito, mas nunca deram qualquer diagnóstico conclusivo. Até os doze anos de idade de Gabriela, Lucinha havia tentado todas as técnicas convencionais que estavam ao seu alcance, tentou de tudo, mas nada parecia resolver o problema de sua filha que continuava apática diante do mundo e das pessoas, sem nem ter aprendido ainda a falar.

Eis que um dia alguém comenta com Lucinha a respeito do Instituto Véras, onde se reproduz o método Doman de reabilitação direcionado à crianças com síndrome de Down, de Asperger, de West, epilepsia, lesão cerebral, autismo, dislexia e outros distúrbios de natureza neurológica.

A história desse instituto começou quando José Carlos Lôbo Véras sofreu um acidente e tornou-se tetraplégico, levando então uma vida vegetativa. Seus pais, Raymundo Véras e Maria de Lourdes Lôbo Véras, lutaram incansavelmente pela reabilitação do filho pois o fato dele estar vivo já era o suficiente pra movê-los adiante e enxergarem à frente. Eles tentaram todo tipo de tratamento possível, ouviram diversos prognósticos desfavoráveis até que resolveram ir até a Philadelphia conhecer o fisioterapeuta chamado Dr. Glenn Doman, criador de um método único de reabilitação. A partir daí o casal Véras conseguiu grandes avanços com relação ao filho, este recuperou os movimentos dos membros superiores e voltou a desenvolver atividades cotidianas, tanto que chegou a formar-se em medicina alguns anos depois.

Depois dessa incrível experiência, o casal Véras estudou profundamente o método Doman e criou um instituto chamado Centro de Reabilitação Nossa Senhora da Glória que reproduziria a linha de tratamento desenvolvida pelo Dolman e aplicada na Philadelphia. Vinte e seis anos depois de sua criação o instituto passa a ser gerido pelo filho do casal, o José Carlos, que deu seguimento à obra dos pais até o evento de sua morte; em seguida sua esposa continua o projeto, que passa a se chamar Instituto Véras, em homenagem aos fundadores.

Sendo assim, ao descobrir esse o método Doman, Lucinha não hesita em buscar ajuda financeira pra poder levar a filha ao Rio de Janeiro pra se tratar, surgia então mais uma esperança diante dos guerreiros olhos de mãe. Elas chegam ao instituto Véras e logo no salão Lucinha se choca ao ver inúmeras crianças deficientes, ela vê todo tipo de comportamento, algumas babam sem conseguir fechar a boca, outras batem a cabeça na parede, e muitas se arrastam sem conseguir andar direito, enfim, um cenário deplorável. Quando Lucinha consegue falar com algum médico ela logo afirma que vai embora dali, pois sua filha não é doida como todos aqueles outros que ali estavam, ela era diferente. O médico a surpreende com a seguinte frase: "Sua filha realmente não é igual a eles, ela é bem pior, ela é pior do que todos eles. E sabe porque? Porque ela não aparenta o mal que tem. Eles mostram suas deficiências, eles pedem tratamento, mas sua filha pode passar despercebida e sofrer o resto da vida exatamente por não parece doente."

Tais palavras tocaram o coração daquela mãe, que continuou firme no instituto. Após a devida avaliação, Gabriela foi notificada com 144 meses de idade cronológica e somente 12 de idade mental, o que confirmava o que o médico havia dito. Claro que pra qualquer mãe seria difícil escutar e aceitar aquilo, mas algum tempo depois ela pôde sentir na pele aquelas palavras duras. Quando o pai de Gabriela morreu, Lucinha entrou na justiça pra que a menina ficasse recebendo a pensão do pai, que lhe era de direito devido à sua condição. Foi aí que Lucinha reconheceu a imensa dificuldade de conseguir um atestado que comprovasse a incapacidade da filha, pois médico algum acreditava que ela fosse de fato doente. Com aquela cara saudável, sem babar nem bater cabeça como os outros, ela se passava por normal. Então Lucinha compreendeu a mensagem que o médico quis lhe passar no dia em que chegou no instituto.

Diante das dificuldades que encontrou pelo caminho, Lucinha encarou todas de frente, escutou as palestras, fez o treinamento e voltou pra casa com a sua filha, pronta pra travar aquela guerra e quantas mais fosse preciso. Os exercícios do método Doman que aprendeu no instituto Véras eram realizados pelas duas e baseavam-se na repetição, intensidade e frequência, deveriam ser feitos TODOS os dias, e duravam praticamente o dia todo. Havia uma planilha de horários e metas a serem batidas, eram tantas horas de corrida, tantas de engatinhamento e outras tantas de rolagem no chão, a criança precisava reproduzir todas as etapas de desenvolvimento. Além disso havia atividades que aguçavam os sentidos e a atenção, eram usados também alguns jogos de cartões, figuras, cores, palavras e sílabas de montar, tudo rigorosamente cronometrado e repetido intensamente.

Como o treinamento era bastante exaustivo, a mãe poderia ter pena do filho e resolver poupá-lo por um dia, e até poderia fazê-lo, mas no dia seguinte a carga de exercícios seria dobrada. Além disso TODO o exercício feito pela criança deveria obrigatoriamente ser feito pelo adulto que a acompanha no tratamento, este precisava sentir na pele o que a criança passava. Inclusive os remédios que a criança tomava deveriam ser usados pelo cuidador, no caso a mãe, para que o mesmo experimentasse os efeitos adversos que a droga causava.

Sem dúvida foi uma rotina de luta, dedicação e amor, muito amor, e todo esse amor trouxe resultados, aos 14 anos Gabriela conseguiu falar, o que representava um enorme avanço pra aquela garota que fora desacreditada por tantos médicos, entregue à própria sorte. Ela teve uma mãe que não se rendeu às negativas que ouvia, que lutou e persistiu até conseguir fazer da filha uma criança normal, tão capaz quanto qualquer outra.

Daí pra frente foram só conquistas e muitas alegrias, Gabriela conseguiu um emprego e trabalhou por anos como secretária, teve alguns namorados, aprendeu a costurar e fazer crochê como niguém, hoje é representante da tupperware junto com a mãe e não fica pra trás em nada, leva uma vida normal como a minha ou a sua. Incrível é perceber a familiariedade impressionante que ela tem com os números, ela decora a data de aniversário de todas as pessoas que conhece, além dos códigos de barras de cada um dos produtos que vende na tupperware; ela tem uma memória incrível, acima da média.

Hoje Lucinha exibe com orgulho a filha que, embora aparente bem menos, está com 36 anos. Gabriela é perfeitamente capaz de interagir, conversar, trabalhar, se relacionar, fazer amigos, paquerar, enfim, faz tudo que uma pessoa normal faz e se ela não contar sua história jamais alguem seria capaz de supor que um dia foi inviabilizada por tantos médicos. Hoja parece impensável que um dia aquela criança foi desacreditada, que lhe disseram que jamais poderia levar uma vida autônoma e independente.

Gabriela e Lucinha tem uma história incrível pra compartilhar conosco, elas nos deixam uma mensagem muito importante que não devemos nos resignar diante de tudo que nos dizem, não podemos aceitar os limites que nos impõem; com amor e perseverança podemos chegar além do que as pessoas esperam de nós, somos capazes de superar qualquer dificuldade e transformar qualquer realidade por mais difícil que possa ser.

Perceba que Gabriela poderia hoje ter uma idade mental bem inferior à que desenvolveu através desse árduo e longo treinamento, mas sua mãe acreditou nela, a própria Gabi acreditou em si mesma e juntas, com muito amor e dedicação, elas conseguiram mudar aquele contexto. E note que jamais ela teve qualquer diagnóstico fechado, seus exames apresentavam resultados normais, alguns médicos diziam que era preguiça, outros diziam que poderia ser uma lesão decorrente de uma infecção gestacional, mas nada era cartesiano, exato, os médicos não sabiam afirmar o que ela tinha de fato, apenas supunham.

Pra mim foi um imenso prazer conhecer essas duas, ouvir essa história. Foi como se elas dissessem a mim que eu posso fazer a diferença, me deram mais respaldo pra eu acreditar no 'impossível', me alertaram pra eu não me render diante das dificuldades, e isso eu vou carregar na minha vida e vou repassar a cada um dos meus pacientes quando chegarem desanimados e resignados ao meu consultório.

Lembro-me ainda de uma pergunta capciosa que Lucinha me fez:

Se o método Doman dá certo, por que ele não é tão popular e disseminado?
Porque não é tão divulgado quanto merece?


Na hora eu nem soube responder a ela, depois de ouvir todo aquele testemunho pra mim pareceu óbvio que toda criança com problema neurológico poderia tentar essa via de tratamento e recuperação. Eu disse a ela que não sabia porque esse método Doman não era ainda tão amplo e divulgado. Ela tinha a resposta na ponta da língua pra me dar:

Quando cheguei no instituto Véras havia uma faixa quilométrica dizendo assim: NÃO TEMOS TEMPO PARA PAIS QUE NÃO TEM TEMPO PARA SEUS FILHOS. A verdade, meu filho, é que pais que têm filhos com problemas desse tipo preferem levá-lo a um psicólogo duas vezes por semana, uma hora por consulta, preferem enchê-lo de remédios, dopá-lo e depois cobrar algum resultado desses profissionais; é bem mais fácil cobrar dos outros do que cobrar de si mesmo. Muitos desses pais não querem ter trabalho com os filhos, não querem abdicar de seus benefícios, de seu tempo, de sua vida, pra cuidar deles e acompanhá-los de perto. Quantos hoje em dia são capazes de dedicar o dia inteiro ao treinamento de um filho especial? Quantos podem e querem dar atenção exclusiva a um filho com problemas neurológicos, ainda que seja pra salvá-lo da invalidez? Muitas vezes o caminho convencional parece mais prático e cômodo, por isso o método Doman ainda não foi popularizado, por isso.

Eu tive que concordar prontamente com as sábias palavras daquele mãe guerreira.

Sem dúvida alguma essa foi a mais bela história que eu já vi tão de perto, fantástica. Aprendi bastante coisa com essas duas, aprendi que na vida nada é impossível pra quem acredita e corre atrás do que quer; e que somente a morte é capaz de frear nossa garra pela vida, então tenhamos cuidado pra não 'morrer em vida', é preciso lutar sempre e não se resignar jamais.

Site do Instituto Véras: http://www.veras.org.br

[Mente Hiperativa]

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