segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Hora do recreio



Hora do recreio

Fui criança que corre descalço no chão de cimento, que caça lagartixa, pega lagarta com o graveto, faz armadilha pra passarinho, depois solta o prisioneiro. Consertei chinelo havaiana com prego, brinquei de caminhão, de carrinho, de bola de gude, peguei girino da rua que alagava quando chovia bastante. Mainha sempre descobria e jogava fora meus sapinhos recém formados. Empinei pipa, joguei peão, brinquei de cavaleiro com um cabo de vassoura, corri pelo quintal e fiz dele o meu reino.

Fiz cabana, acampei na sala, me escondi num túnel imaginário que ficava atrás da cadeira de balanço da minha vó. Dava susto nas galinhas, perseguia o peru, que de tanto medo se obrava todo. Fugi do cachorro brabo que na verdade só queria brincar, colei chiclete debaixo da mesa, dei muito susto nas babás que cuidavam de mim, me pendurei na janela, pulei da escada, fui alquimista, botânico, veterinário, biólogo, sempre tive essa alma de cientista. Passei trote pelo telefone, escapei de castigo, toquei a campainha da minha própria casa fingindo pedir esmola, subi em árvore, fui capitão, astronauta, viajei pra outros planetas numa nave espacial que era o balanço da minha bisavó no quintal de casa.

Andei de patins, adorava ir ao zoológico, construí castelos de areia na praia, brinquei nos parques e fiz muitas bolhas de sabão. Desenhei tudo que via no meu mundo, pintei tudo bem colorido, fiz chapéu de dobradura, barquinho, tomei banho em piscina de plástico que mal comportava os primos, mas sempre tinha espaço pra algum adulto que havia esquecido de crescer. Tomei banho de torneira também, e de bica, e de chuva. Dei muito tiro de pistola d'água, assustei minha vó com animais peçonhentos de plástico, me passei pelo meu irmão ao telefone, criei hamster escondido, pedi biscoito à vizinha através do muro usando um bicho de pelúcia como interlocutor, joguei pedra nas galinhas da vizinha, raspei a panela do bolo, 'roubei' o lanche da cozinha e saí correndo escondido, mas também já fui pego em flagrante em muitas das minhas traquinagens.

Fui criança, aproveitei bastante, me diverti nos momentos em que me foi permitido, corri pro quintal pra fugir da realidade, no meu mundo de fantasia. Fui feliz, na hora do recreio. Agora preciso ir, pois já tocou a sirene, o intervalo acabou. Voltemos à aula da vida.

[Mente Hiperativa]

3 comentários:

  1. Voltemos, então, à aula da vida.
    abraçogrande

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  2. Gostei do texto. Eu sou muito grato porque talvez a minha geração tenha sido a última que curtiu a infância dessa forma, bem diferente do que acontece hoje. Minha infância foi basicamente isso que escreveu mesmo, e mais a minha brincadeira favorita que era pular de um sofá pro outro ~fazendo de conta~ que o chão era de lava hahahah

    Abração (:

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  3. Mas todo dia de aula, tem o intervalo do recreio. E acho que sou desses adultos que esqueceram de crescer ;)

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