terça-feira, 25 de junho de 2013

Re-encontro



Re-encontro

Depois de quase três anos o destino nos colocou outra vez cara a cara, dando-nos assim uma chance de reforçar laços já enfraquecidos pelo tempo. Ao revisitar teu apartamento enxerguei-me marcado em cada uma de suas paredes, como se por acaso pedaços de mim tivessem ficado ali, impregnados nos lençóis do teu quarto, em meio às garrafas vazias que sobraram de nossas farras. Eram os destroços sobreviventes da nossa relação a qual ainda guardo como boa lembrança daquele tempo.

Ao adentrar novamente no seu lar – e na sua vida – observei atentamente cada centímetro quadrado e constatei que pouca coisa mudou desde a última vez que estive ali: os quadros são os mesmos e permanecem na mesma posição, as esculturas no chão e nas mesas, origamis pendurados por cordões de lã, xilogravuras, quase nada foi mexido de lugar, até as fotografias ainda são as mesmas. Apenas um jacaré de cerâmica ‘habita’, agora, um canto da sala. E fico a imaginar que tipo de amigo te deu essa peça nova. À minha inspeção não escapou teu rosto, que sustenta o mesmo sorriso lindo de antes, apenas um ou outro cabelo branco pareceu-me novidade e ainda assim te conferiu um ar mais maduro, um charme adicional. Teu corpo também não ficou devendo nada ao tempo, está em plena forma.

Deitamos no sofá pra conversar, o mesmo sofá que nos aconchegou tantas e tantas vezes. Ah, se ele falasse teria muitas histórias boas pra contar, pois assunto nunca nos faltou. Não pude deixar de notar de imediato seu novo revestimento estampado de pássaros voando em direção aos galhos de uma árvore. Mas felizmente continuava sem poder contar nossos segredos. Repousamos, então, em seus galhos esperando que os pássaros viessem dar asas às nossas mentes. Assim, viajamos mais uma vez em longas e intermináveis conversas.

A tarde correu e em meio a um assunto e outro nos acomodávamos como podíamos naquele sofá pequeno, tu se aninhava em meu peito pedindo proteção e eu achava aquilo bom demais. Fiz carinho no teu cabelo ao mesmo tempo em que varri o ambiente com meus olhos, afinal precisava me certificar de tudo que mudou, ou ter certeza de que estava tudo como deixei. Notei a velha bagunça de sempre na mesa da sala, os papéis espalhados, as pilhas de CDs e os marcadores de livros, um prato com uma generosa fatia de pé de moleque e uma empada de camarão estavam cobertos por um vidro. O computador, pequenas estátuas e um catálogo de moda pareciam esquecidos no chão, mas eu sabia que era mania sua deixá-los ali.

Enquanto você se remexia e se acomodava nos meus braços eu continuava minha exploração visual pela cozinha: azeites, pimentas, castanhas-do-Pará, geléias e vodkas. Tantos outros ingredientes que um desavisado pensaria que és chef, mas a mim você não engana, te conheço e sei que mal sabes cozinhar. Um cheiro forte de canela vinha da cozinha e incensava a sala enquanto o vento corria de janela a janela e nós conversávamos coisas sérias ou bobagens.

Em meio ao papo perguntei disfarçadamente quem havia te presenteado com aquele jacaré e você disse que tinha comprado numa feira de artesanato na ilha de Marajó. Preferi acreditar a imaginar outras coisas, mas você conhece meu jeito desconfiado e na tentativa de dissimulá-lo sugeri que colocasse uma de suas playlists pra tocar. De imediato você foi ao quarto atender meu pedido e logo me chamou, mordendo a isca em cheio. Quando abri a porta senti o vento frio do ar-condicionado a nos esperar, a cama baixa nos atraía enquanto o edredom reforçava tal convite. Vi tuas roupas espalhadas pelo chão, amassadas dentro de uma mala entreaberta e jogadas no cabide. Pensei por um instante que eu tão organizado jamais me adequaria à sua imensa capacidade de bagunçar tudo; tinha medo, inclusive, que acabasse bagunçando minha vida. Tratei de apagar a luz pra esquecer tudo o redor, passei a te enxergar somente com as mãos, ao som da playlist #Tropicália.

Depois de inúmeras faixas de Rita Lee, Gil e Caetano, chegamos naquele momento em que tudo se esvazia dentro de si, procurando algum sentido que não faz qualquer sentido. A razão logo cedeu lugar ao prazer e a cama ficou pequena demais pra caber tanto sentimento, até que ao fim de tudo nossos corpos se reorganizaram no universo e se reencontraram no tempo e no espaço. E depois de tomar consciência da realidade, fiquei calado, de olhos fechados, apenas sentindo meu coração acelerado, a respiração profunda, tua pele ardendo junto à minha e aquela sensação de formigamento na Alma. Fechei os olhos, contemplei o instante, abri os olhos e vi o teto branco, depois vi você com um belo sorriso me esperando voltar do transe. Dormimos abraçados.

O dia amanheceu e eu precisava ir embora, logo mais você também ia levantar pra trabalhar, mas por enquanto fingia dormir pra não ter que me ver partir. Sinto que meu cheiro ficou impregnado nos teus lençóis. Escovo os dentes na pia do banheiro ao mesmo tempo em que massageio os pés no tapete colorido que você trouxe do Agreste. Me aproximo de ti e te dou um beijo, você não abre os olhos nem se mexe, mas sei que é porque odeias despedidas. Saio do quarto deixando nas paredes pedaços de mim e você sorri sem perceber que te espio do lado de fora, pela fresta da porta. Vou embora com saudade, não sei se volto amanhã, em uma semana ou se o destino nos afastará novamente por mais três anos. Só sei que guardo boas lembranças de ti, deixo também qualquer coisa boa em teu coração.

[Mente Hiperativa]

9 comentários:

  1. É aquela história de que algumas coisas nunca mudam, não? Nos cativa hoje e, não muda, continua nos cativando daqui a três anos. Não sou de me orgulhar, mas me pego tendo que admitir que tenho medo de mudanças. Tenho medo do novo, medo de não ser cativado por ele, medo de não saber cativar.

    Um aperto. Um abraço.
    E tchau.

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  2. Gostei descrição do ambiente. Bela articulação de palavras. Abraço.

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  3. Muito bom o texto Senninha! Adoro o a riqueza de detalhe dos seus textos, faz todaaa diferença! Mi

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  4. As lembranças... elas estavam tão frescas e nem pareciam passadas... Vc amarrou com começo , meio e fim o conto, por vezes me vi no apartamento com sua descrição dos detalhes...

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  5. "Nunca Envelhecerás A tua cabeleira
    é já grisalha ou mesmo branca?
    Para mim é toda loira,
    e circundada de estrelas".

    Também me chamou atenção a riqueza de detalhes, parece uma True Story.

    http://apoesiaestamorrendo.blogspot.com.br/

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  6. Deu vontade de estar no seu lugar! Impressionante a sua capacidade de detalhar... Quero saber que nem você quando crescer.

    ;*

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  7. Catatônica. Felizmente perplexa. Mal sabia que dividi a intimidade das minhas meias de aparelhadas com um cronista!

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