terça-feira, 25 de outubro de 2011

Famílias terrivelmente felizes


Famílias terrivelmente felizes
Postagem sobre o livro de mesmo nome.

A capa desse livro me chamou a atenção diante de tantos livros na livraria, não somente por ser vermelha, mas pela ilustração assim indefinida, assim inexpressiva. Seria um verme? Uma tripa retorcida? O que danado é isso? - eu pensei. Até agora eu não tenho certeza do que seja, mas mexeu comigo, revirou muita coisa aqui dentro do estômago e coração, assim como fizeram os contos que o livro traz. O título também achei uma grande idéia, me soou sarcástico aos ouvidos, quando li imaginei logo que ele estava disposto a contar todos os segredos e incômodos que as famílias 'aparentemente felizes' escondem debaixo do tapete.

Confesso que a capa pitoresca foi o que me atraiu à princípio, mas logo folheei o livro e encarei as ilustrações disformes, indefinidas, mas cheias de sentido que, só mais tarde ao ler boa parte do livro, pude perceber como dialogavam tão bem com a natureza dos contos. São figuras de vermes, ratos mortos, telhados, penas e asas e tantas coisas mais que eu não sei ainda o que significam. São figuras encaradas como nojentas, sujas, imundas, diria até repugnantes. E o livro trata de assuntos assim, tristes, lamentáveis, trágicos, não espere ler um conto de fadas, não são histórias de príncipes e princesas encantados com finais felizes. É a realidade.

Mas ao contrário da impressão - errônea - que posso ter causado no parágrafo anterior, as histórias do livro não carregam uma áurea pesada, não são fatalistas ou tenebrosas, muito ao contrário, e é esse o diferencial do autor: ele consegue tornar o "feio" atrativo. O Marçal consegue tornar interessante fatos simples e aparentemente repulsivos, como um casamento desgastado, desencontros amorosos, assassinatos, brigas e fracassos em geral.

A realidade que ele se propõe a tratar é suja e imperfeita, mas é real, e ele conta com uma imensa riqueza de detalhes, harmoniosamente arranjados de modo que os contos se tornam leves e fluem suavemente apesar dos assuntos serem de difícil digestão. Além do mais as histórias são sempre surpreendentes, fugindo do lugar-comum dos romances e personagens estereotipados, expondo a realidade dura de uma forma suportável. O Marçal Aquino nos faz rir do que não tem graça, mas não é um riso de alegria, é de conforto à alma.

No primeiro conto, por exemplo, ele trata da morte de um homem que viveu a vida enclausurado num hospício. Isso por si só já é triste e depressivo, mas pela forma que ele conta, pelo ângulo que ele vê, se torna bastante interessante; ele resolve contar em terceira pessoa a vida que poderia ter sido e não foi. E quem nunca se perguntou a vida que poderia ter tido e não teve?

Assim é 'famílias terrivelmente felizes', é uma leitura agradável sobre o desagradável, é tão divertido que por hora esqueçemos que o conto é trágico, pois ele se torna belo e tão palpável que é digno de aplausos, e jamais de lágrimas.

[Mente Hiperativa]

2 comentários:

  1. gosto desa mistura de arte e tragédia, dor....vi um espetáculo sobre a ditadura militar e achei de uma beleza sem tamanho...
    boa dica de livro..comprase na cultura foi?

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  2. Também percebi essas imagens de ratazanas, insetos, rabiscos ininteligíveis ou marcas da urbanidade (antenas e telhados). Acho que a imagem da capa, uma lagarta-casulo, é associada a hibernação e metamorfose e pode representar a maturidade do escritor. Sei lá, pela mudança de foco verificada em seus contos: da metropole para o suburbio, para o marginal. Percebi que os contos começam com um lirismo inicial que vai se tranformando...

    A lagarta também poderia ser uma referência a violencia que eclode nas narrativas, numa alusao ao ironico titulo do livro.

    Acho que deve ter muito coisa nesse livro para falar, sabe. Mas que precisa de muita experiencia literária... Nós leitores-amadores só apreciamos e rompemos ali com os gêneros subliterários.

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