Humores, amores, cores
Texto incrível da alicia.
Você estava lá e eu também. Eu não te via, você não me enxergava e o tempo passava. Foi num dia comum que você se encantou por uma saia comum. Nesse dia eu tive sorte, porque a saia era minha. E foi assim que você não me viu (de novo), mas quis me ver. E foi assim que eu vi os seus olhos brilhando. E eu, narcisista que sou, ali me apaixonei. Primeiro por mim e depois por você.
Uma vez eu fui adolescente. (Não de alma, de corpo mesmo. Sim, eu sei que adolescente ainda sou, é claro, pois assim é a alma feminina.) Naquele tempo eu tinha um “anel do humor”. Conforme eu mudava de humor o anel mudava de cor. E eu me sentia toda especial por provocar alterações na cor daquela coisa. Eu era responsável pela existência de alguma cor no mundo. E isso era incrivelmente bonito.
Uma vez eu olhei nos seus olhos. E percebi que conforme você me adorava ou me gostava, me odiava ou me amava, não me suportava ou me desejava, os seus olhos mudavam de cor. E eu me senti absolutamente importante por provocar mudanças naquelas bolas de gude que o seus rosto carregava, que ora eram brilhantes, ora eram opacas.
Mas aí a coisa foi mais longe. Fiquei intrigada e curiosa: como é que ele consegue? O que é que eu sou para ele? E então eu descobri que dependendo da cor do seu olhar, a minha alma mudava de cor! Êxtase ao descobrir que eu tinha uma fábrica da Faber Castell internalizada na minha áurea. Plenitude ao me dar conta de que as cores, os humores e os amores eram mais, muito mais do que pobres rimas.
Eu queria saber o que tinha por trás daqueles olhos instáveis. Você queria saber o que havia embaixo daquela saia. Mistérios bonitos, cada um ao seu modo. Tinha tudo pra ser um amor desses que a gente lê e se encanta, mas que é só literatura. Desses amores platônicos que só por serem platônicos é que são eternos. Mas, não. Nós fomos atrevidos e curiosos. Quisemos saber o que é que o outro escondia.
Eu enfrentei os meus fantasmas, encarnados no seu olhar. Você enfrentou os seus deuses, que se escondiam debaixo da minha saia de crochê. Uma saia cheia de nós. Um par de olhos cheios de eus.
Mas ainda assim não bastava. Mistérios desvendados, nós desfeitos, e queríamos mais. Saber mais. Ocultar mais. Brincar mais. Mais eu, mais você.
E é desde então que a gente vem procrastinando o nosso fim. Tudo o que nasce está condenado à morte, até mesmo o amor. Eu não sei até quando isso vai durar. Eu não sei se vou te amar para sempre. Eu não sei até quando você vai me amar. E eu não me importo.
Porque pra mim o amor é justamente isso: é não estar inscrito no tempo. Se amanhã os nós acabam, se amanhã os nós viram uma linha soltas, se amanhã nós acabamos, nós cansamos de somar eus para fazer mais nós, eu ainda assim continuarei te amando, em algum lugar. Porque o infinito é a absoluta ausência de tempo, e é lá que o meu amor ecoa.
(Mas por via das dúvidas, todas as noites eu refaço os nós que você desata. Ao melhor e mais mitológico estilo Penélope-ao-avesso)
[Mente Hiperativa]
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