Emoções do (a)mar
Agora o sol já está bem longe, é inevitável, preciso abandonar o conforto e a segurança quase uterinos do meu quarto para encarar o mundo, arrisco passos inseguros em direção à porta de casa, observo o céu, azul como o mar, sinto o cheiro de maresia – tão seu – que me invade e bagunça minhas lembranças mais primitivas. Agora, sentado no batente da escada, contemplo a imensidão de água salgada e sinto o frio correr minha espinha, apesar do sol ainda não ter sumido completamente. O mar cheio de remorso e culpa vem se retratar a mim, fazendo do ir e vir de suas ondas um acalanto para tranquilizar minha alma calejada por seus duros golpes de outrora.
A essa altura suas águas já não me fazem qualquer convite, também não me assustam como antes; mesmo assim ainda tomo o devido cuidado de respeitar certa distância pra evitar que me façam mal. Logo abaixo encontro meu barco subindo e descendo ao sabor da maré, amarrado por uma corda grossa que o impede de se perder ou sair navegando sem rumo. 'Coragem', o nome dele. Ao vê-lo oscilando na superfície lembro-me das inúmeras aventuras que vivemos juntos, as boas e as ruins, mas todas bastante carregadas de emoção. Recordo que já naveguei muito por esse mar, entretanto hoje a coragem permanece presa à terra firme. E é assim que deve ser.
Já é quase noite e ao horizonte admiro inúmeros barcos navegando pelo oceano sem-fim, talvez sejam pescadores se lançando à sorte de retornarem com suas redes cheias. O meu barco permanece amarrado. As pessoas parecem divertir-se ao desafiar o lençol azul de água, certamente não têm noção do perigo, não imaginam o risco de serem engolidos e se afogarem... Quando dirijo meus olhos ao meu barquinho, frágil e repleto de remendos, de imediato me contagio com sua fraqueza e abandono. Então, penso logo: melhor assim, mantê-lo atracado é mais seguro, é mais prudente.
Desço a escada até a beira-mar, molho os pés na espuma das ondas e logo me escapa um subterfúgio: preciso fazer a barba! e volto pra casa rapidamente. Coloco uma música pra tocar, sirvo um cálice de vinho e busco abrigo no aconchego do meu quarto. Deito na rede e me balanço no embalo das ondas que vem e vão, afinal não preciso de 'Coragem' para viajar, a noite é longa e certamente me reserva um bom sonho de (a)mar.
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[Mente Hiperativa]
Gostei de como tu descreveu a zona de conforto no começo. E, ah, essa com certeza é uma das metáforas que tenho como prediletas. Só que minha luta com o (a)mar é diferente, diversas vezes prometo que vou dar só um mergulho e, quando vejo, nadei demais e perdi de vista a terra firme. E, quando estou em terra, esta é uma ilha e logo estarei no (a)mar outra vez.
ResponderExcluirEscreve mais vezes sobre isso, porque essa metáfora ainda dá fruto. Abraço.
Que lindo. Muita riqueza nessas palavras...
ResponderExcluirMas atente para o fato de que, sem escolha, a rede às vezes é lançada ao mar...
Bjo