Um dia fui criança
Era feliz e nem sabia
A vida, eterna dança
Eu só pulava e corria
Brincava no parque
Me banhava no rio
Fazia muita arte
Meu mundo infantil
Hoje eu sou adulto
Me cobram seriedade
A alegria é um indulto
Nessa dura realidade
Em saturno as pessoas trocariam palavras cordiais, se fosse necessário falar. É que lá o pensamento é a forma de comunicação, são mensagens telepáticas que carregam não só um significado, mas também um sentimento. Não há barreiras em saturno, nem segredos, todos os pensamentos são compartilhados, tudo é de todo mundo. E ninguém se importa com isso.
Penso que se eu estivesse em saturno agora eu poderia andar descalço, e pisar no chão macio de saturno. Não sei de que ele é feito, só sei que não fere os pés, e não é de grama, nem areia, é de um material que só mesmo em saturno se encontra. Lá eu não precisaria de tênis, meias, nem nada disso. Não sentiria frio, nem faria calos. O chão de saturno é sem-igual.
E se eu sentisse fome poderia fechar os olhos e pensar nas delícias que a minha vó me fazia, como o pensamento é a comunicação logo ela me traria tudo que um bom neto gosta. E ela viria de onde estivesse, pois em saturno não há barreiras nem limites. E eu mataria minhas eternas saudades.
Em saturno as pessoas não morrem de fome, nem de desgosto, nem de câncer. Lá as pessoas não morrem, pois não há vida, há uma forma de existir tão ímpar que nós não temos palavras para designá-la. As pessoas existem, mas não vivem nem morrem, compartilham a existência, as experiências, os pensamentos, invadem uns os outros, e se confundem, se misturam, sem jamais perderem a identidade.
Eu tentei medir a distância daqui pra saturno, mas não há como, não há meios, nem aparelhos, tudo se perde em saturno, tudo ganha um novo arranjo, e as réguas passam a ser linhas, que se enroscam, e as linhas entram na mente e amarram idéias, que voam de volta à minha cabeça.
Saturno é assim, uma mistura de essências, que de tanto eu tentar entender eu aprendi que preciso sentir. Sentir, fechar os olhos e deixar saturno tomar conta de mim, não preciso publicar trabalhos científicos sobre saturno, nem tentar explicá-lo cartesianamente. Eu não conseguiria, ninguém conseguiria. Saturno foi feito pra se sentir!
Às vezes eu passo a noite conversando com saturno, gostaria de ir lá conhecê-lo pessoalmente, queria poder sentir meus pés descalços naquele chão macio que só em saturno se observa. Queria poder existir sem viver nem morrer, sem saber nem o porquê nem o nome de como é ser assim. Queria poder confundir e explicar o que não entendo e me animar a aprender o que talvez jamais poderei conhecer. Só queria ser... Em saturno.
[Mente Hiperativa]
A menina entrou no ônibus e logo se acomodou num banco, queria sentar ao lado da janela, mas não tinha nenhum banco desse tipo vazio, então ficou no lado do corredor mesmo. O ônibus seguiu a viagem, sacolejando.
Ela tinha apenas seis anos, seus cabelos eram cacheados, loiros, e foram gentilmente presos dos dois lados da cabeça. Tinha ainda uma boca miúda, além de um par de olhos azuis enormes e bastante expressivos. Era linda, e por isso chamava a atenção.
Na mesma hora em que ela se sentou, o rapaz que estava noutro banco lendo um livro qualquer de capa vermelha desviou o olhar para ver aquela menina, que para sua surpresa estava encarando-o com seus olhos azuis enormes. Mas ela estava apenas curiosa pra saber que história ele lia, tão entretido, naquele livro.
Do outro lado havia uma moça bastante elegante e bonita que também observou a menina entrar no ônibus e não tirou mais o olhar sobre aquela loirinha. Ela sempre sonhou em ter uma filha e naquele momento imaginou que ela poderia ser tão linda quanto aquela menina que via ali quietinha sentada no ônibus, mais parecia uma boneca. E o ônibus seguiu seu rumo, chacoalhando.
A menina ficou atenta para o caso de esvaziar um lugar junto à janela, mas quando alguém se levantava logo outra pessoa ocupava o lugar da janela, sem que ela tivesse a menor chance de consegui-lo. Ela acabou se resignando a permanecer junto ao corredor.
Uma velhinha tão frágil se encantou com a menina, teria até acenado pra ela se tivesse força para fazê-lo, mas sorriu, um sorriso igualmente frágil. Um pedinte que passava pelo corredor pedindo moedas teve medo dos seus olhos tão azuis, nunca tinha visto dessa cor assim tão de perto e pensava até que não eram olhos de verdade. Quando se deu conta do ronco do motor o pedinte apressou o passo pra descer antes que o ônibus continuasse a viagem, sacudindo.
E as outras pessoas que subiam ao ônibus logo se deparavam com aquela menina tão formosa, de cabelos cacheados, loiros, boca miúda e olhos azuis enormes. Ela também observava a todos, com receio e timidez.
O ônibus andava veloz, o motorista parecia olhar a menina pelo retrovisor, e sua boca miúda, ele tinha pressa de entregá-la em casa, e dobrava à esquerda, à direita, freava, seguia, num caminho conturbado, balançando o veículo para um lado e para o outro.
Eis que num dado momento os olhos azuis enormes da bela menina olharam para o rapaz que lia um livro qualquer da capa vermelha, ele estava concentrado na história que parecia interessante. A moça elegante e bonita falava ao telefone, com entusiasmo, talvez com o namorado ou marido. A velhinha frágil cochilava, e as outras pessoas ouviam música, conversavam ou somente se distraiam observando a paisagem pela janela.
E quando seus olhos curiosos constataram que ninguém estava a observando ela repentinamente abriu a boca miúda, inclinou-se pra frente segurando com firmeza pra não cair e vomitou. Seu vômito era bastante espesso, de cor salmão e rapidamente escorreu pelo chão do ônibus atingindo boa parte do corredor. E quando parecia ter acabado, veio mais um jato, e outro.
Logo em seguida ela se acomodou novamente no banco com seus olhos enormes, mas agora nada curiosos, e sim, apreensivos. E pouco importava nesse momento se eram azuis, castanhos ou pretos.
Então todos olharam para aquela menina, outrora tão encantadora, mas agora capaz de lhes causar um enorme asco. Todos observavam seu vômito de cor salmão no corredor do ônibus, escorrendo, sujo, e seus olhares seguiam com nojo o vômito até chegar à boca miúda da menina, que permanecia apática.
O rapaz que lia um livro qualquer da capa vermelha logo o fechou - como quem perdia o prazer de continuar a leitura - e o guardou na mochila. A moça elegante e bonita despachou o namorado ou marido ao telefone, encerrando a ligação com um breve “até mais tarde”; e levantou-se depressa de onde estava pra seguir até o fundo do ônibus e fugir daquele terrível cheiro de vômito.
A senhora frágil, que sequer conseguira acenar para a menina, acordou-se por conta do burburinho que permeava o ônibus naquele momento. Ela demorou a entender o que as pessoas falavam baixinho, cochichando, e esboçou uma careta ao ver que o vômito havia salpicado na barra da sua saia e no seu pé. Olhou para a menina, mas teve pena de condená-la.
Os olhos azuis enormes da garota percorriam timidamente os bancos e percebiam as pessoas se levantando e indo embora, se afastando dela, como se tivessem subitamente perdido todo o encanto de seus olhos expressivos e longas madeixas loiras cacheadas que escorriam dos dois cantos da cabeça. Agora as pessoas sentiam nojo dela.
O motorista encarou a menina pelo retrovisor, dessa vez viu não somente a boca miúda, mas também os olhos azuis enormes. E lamentou não ter conseguido chegar logo na casa da menina da boca miúda, que de encantadora tornou-se horrenda.
Nota: Muitas vezes certas coisas tão banais nos atraem a atenção. E tantas outras igualmente banais nos causam um desencanto completamente desnecessário e evitável. E no fim das contas, o que realmente importa?
Como diria o pequeno príncipe "Só se escuta bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos".
[Mente Hiperativa]