terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

No carnaval a vida se perde. Ou se encontra.


No carnaval a vida se perde. Ou se encontra.


Estava em casa, ainda vestido com meu pijama xadrez melado de pasta de dente, quando ouvi o som de orquestra lá fora. Ela carregava um entusiasmo e uma animação dignos do meu reconhecimento, o volume parecia aumentar gradativamente como se viesse ao meu encontro. E vinha. Guiado pelo barulho, me aproximei da janela pra ver o bloco passar, era carnaval, época em que costumo ficar em casa assistindo filmes, comendo e dormindo bastante, pois pular no meio de gente suada e embriagada nunca me pareceu divertido.

Nesse dia, porém, fui surpreendido com um fato que jamais me passou pela cabeça, enquanto contemplava o som e observava as pessoas em meio às serpentinas e confetes, vi minha vida passar. Esfreguei os olhos que ainda estavam um pouco inebriados com resquícios de sono acumulado e constatei que era ela sim, saltitando no meio daquele povo ao som do melhor frevo Recifense.

A adrenalina tomou conta do meu corpo instantaneamente, me belisquei, me sacudi, me olhei no espelho e não encontrei em mim sinal algum de vida. Senti-me perdido, desnorteado, sem enxergar outra solução senão correr atrás daquela desajuizada que havia abandonado meu corpo sem qualquer aviso. Encarei-a da janela pela última vez, fiz cara de raiva e ela acenou pra mim, soltou um beijo e mergulhou no meio do bloco.

Nesse instante, fui tomado pelo impulso e corri até o elevador, não me passou pela cabeça que eu estava todo descabelado, sem lenço, sem documento. Nem mesmo a porta de casa lembrei de fechar. Apertei o botão do elevador e nada, apertei de novo, e de novo, nove vezes seguidas. Decidi usar as escadas, pois minha vida estava escorrendo pelos meus dedos e eu não podia demorar a resgatá-la. Desci os oito andares em um instante, mais parecia um foguete.

Lá embaixo encontrei um mar de gente. Fiquei aflito sem saber como encontraria minha vida no meio de tantas pessoas. Meus olhos caçavam em todas as direções, mas havia muitas cores e sons, vultos e fantasias, fiquei um pouco confuso no começo, até me situar no processo e tomar coragem de me enfiar no meio daquela bagunça chamada 'Carnaval'.

Deparei-me com inúmeras odaliscas, bruxas, batmans, hippies, bode gaiato, chapolim, mulher-gato, Obama e uma turma que mais parecia a família Adams. Não era fantasia, devia ser feiura mesmo. Também vi mulher-melancia, mulher-melão, mulher-caju, mulher-salada-de-fruta, mulher vestida de homem e homem vestido de mulher. Tinha de tudo. Não sei como minha vida foi se meter no meio dessa "babilônia em chamas", queria apenas encontrá-la e voltar pra casa, comer, dormir e assistir filmes.

Procurei-a exaustivamente, o calor estava demais, a combinação de sol e aglomerado humano ainda aumentava a sensação térmica. Parei pra comprar água, só tinha cerveja, mas de qualquer forma eu estava sem carteira e sem dinheiro. Recebi elogios pela fantasia de pijama. Fantasia??? A essa altura eu nem ligava mais, estava desanimado com meu fracasso, quase aceitando que minha vida havia sido perdida de vez.

No meio daquele empurra-empurra senti algumas apalpadas, percebi muitos olhares e logo estava cedendo às conversas. A sede era grande e tomei uma cerveja, não recordo quem me ofereceu. Logo tomei a segunda e a terceira. Procurei minha vida e nada de encontrá-la. Tomei a quarta e depois parei de contar... Quando dei por mim estava no clima da festa, frevando até o último acorde, mesmo sem nunca antes ter frevado.

Daí em diante desisti de procurar pela vida, joguei-me nos braços da folia e foi assim que acabei esbarrando, sem querer, com a dita cuja em plena folia. Juntos, nos divertimos demais e no fim da tarde voltamos pra casa, eu e ela. Estava tão exausto que nem comi, tampouco quis assistir qualquer filme, só pensava em tomar um banho e dormir. Às vezes fico pensando sem compreender como pude ficar tanto tempo debruçado na janela esperando a vida passar.

[Mente Hiperativa]

4 comentários:

  1. "Acenou pra mim, soltou um beijo" CARA eu chorei derir nessa parte hahaha. Muito verdade, nossas vidas vivem soltas por aí, enquanto sobrevivemos presos e buscando motivos para assim ficar. Acho que vou marcar um dia pra encontrar com a minha vida, não sei haha

    Abração!

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  2. http://vidaruimdepobre.blogspot.com.br/2014/02/a-dura-realidade-do-homem-jovem-pobre.html

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  3. Foi aonde no Galo da Madrugada? E esse amor de carnaval terá sido o "Diabo louro" do Alceu Valença. rs... Apesar de ser de Recife, também não gosto de carnaval não. Mas, com uma motivação dessas, vestiu a fantasia de folião.

    http://www.click360graus.com.br/tour/recife/

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