domingo, 22 de julho de 2012

Felicidade incolor



Felicidade incolor

Sua vida não era colorida e interessante, nunca teve um grande amor, avassalador, ou uma família de comercial de margarina, essa sempre foi muito fria e distante, por isso desde cedo afastou-se de todos, arrumando emprego e moradia noutro estado bem longe. Optou por sumir no mundo, fugir de tudo, encontrou conforto num pequeno quitinete suburbano, praticamente um cortiço, o qual dividia com prostitutas e alcoólatras desempregados. Mas gostava de viver ali, de portas fechadas e som alto era contente assim, um contentamento ameno, uma alegria bege, embaçada, que não conseguia gritar e vivia assim, muda e apática.

Trabalhava numa lavanderia, era a responsável pelo caixa. Os clientes educados lhe davam os cumprimentos, ela nunca respondia, sequer olhava nos seus olhos. Os mal-educados apenas a chamavam de estúpida e bastarda quando ela errava o troco ou a roupa a ser devolvida. De uma forma ou de outra as pessoas gostavam de destratá-la, como se ela fosse feita pra isso, sentia-se um lixo, mas estava acostumada com tal sensação desde criança. Ela silenciava diante das pessoas, com os olhos secos e inexpressivos que tinha, e estrangulava cada palavra que ousasse percorrer sua garganta em direção à boca. Do patrão só ouvia reclamação, e nem hora extra recebia pra ouvir tanto sermão. Saia do trabalho direto pra casa, todos os dias, de segunda a sábado, e não pense que se importava ou sofria com a hostilidade alheia, estava acostumada.

Suas segundas-feiras nunca foram motivo para depressão, suas sextas nunca tiveram qualquer diversão, todos os dias eram igualmente mornos, parados, nada se movia, nada acontecia. Somente aos domingos sua rotina mudava pois a lavanderia estava fechada e então aproveitava o tempo livre pra fazer faxina, lavar roupa em casa e observar os vizinhos dançando pagode e se embriagando no quintal do prédio. Nunca fez amigos por lá, nunca desceu pra se confraternizar com eles. A parte preferida do domingo era o fim do dia quando as pessoas estavam completamente bêbadas e discutiam trocando ofensas pesadas e às vezes até murros e pontapés. Não dá pra explicar o que sentia, mas gostava, aquilo lhe preenchia de alguma forma com uma sensação boa, algum sentimento de correspondência que ainda não tem nome definido.

Em casa o som alto mascarava a solidão, não recebia amigos (nem os tinha), não gostava de cachorro nem de gato, a única que lhe fazia alguma companhia era a samambaia que jazia no meio da sala. Ela estava meio morta-viva, meio seca, meio quebrada; não sei se é possível dizer que trazia alguma vida ao ambiente, mas era a única coisa verde além de mofo que habitava aquele espaço tão insalubre. As paredes eram sujas, o chão também. Na área de serviço o lixo se amontoava, ao lado de roupas sujas, engradados de bebida vazios e empilhados, caixas de papelão, restos de cerâmicas e um enorme saco aberto de adubo orgânico.


Assim ela vivia no seu contentamento ameno, sem grandes alegrias, sem noites apaixonantes, mas sem decepções ou traições, sem problemas familiares, sem grandes catástrofes. A própria vida já era a maior catástrofe que poderia esperar e nada seria tão ruim que pudesse abalar sua alegria muda de viver isolada e auto-suficiente. Não vivia por ninguém, nem por si mesma, e até mesmo o trabalho não era propriamente uma motivação, era apenas uma fonte de renda que lhe dava o mínimo para sobreviver, não tinha grandes gastos ou cometia extravagâncias no shopping, nunca caiu no cheque especial, sequer tinha conta no banco. Não precisava de disfarces nem máscaras, não criava fantasias nem ilusões, vivia a vida dura e seca, sem filosofias ou crenças misteriosas.


A vida dela era tão banal, tão inabalável, jamais daria um filme recorde de bilheteria, talvez apenas um bom livro - best-seller - daqueles que se lê no inverno frio e nos provoca o seguinte questionamento: "O que é mesmo a tal felicidade?" Ninguém pode afirmar com propriedade se ela é um sentimento gritante e indisfarçável, uma companhia eterna e inseparável, ou apenas uma vida mais-ou-menos sem grandes problemas e inquietações existenciais. Talvez seja possível ser feliz num cortiço cercado de prostitutas e alcoólatras barulhentos, sozinho num ambiente sujo e inóspito. A felicidade pode ser amena e tranquila, e quem pode dizer o contrário?

[Mente Hiperativa]

5 comentários:

  1. A meu ver ela passa pela vida sem viver,se isola do mundo,mas como ela sempre foi rejeitada e incompreendia preferiu viver assim longe das pessoas, isolada para não sofrer e quem vai dizer que é certo ou errado cada um sabe o que melhor para si.
    Beijos

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    1. Verdade, quem sabe se é certo ou errado? Será que há certo e errado?

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  2. Cada um tem seu próprio certo e errado, não da pra generalizar. As pessoas tem seus modos de serem felizes, e cada um sabe o seu próprio.

    Abraço.

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  3. adoro as banalidades!
    as pessoas ficam sempre em busca de uma vida intensa, e não conseguem "adestrá-la" depois!
    acho as banalidades encantadoras!

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    1. Faz sentido o que você fala, muitas vezes a nossa preocupação é ter algo intenso pra contar mas não sabemos de fato lidar com isso. E ainda por cima perdemos de apreciar tantas coisas banais, porém deliciosas de viver.

      Bjo

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